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Contribuinte vai pagar milhões inúteis no aeroporto de Alcochete

Portela longe do ponto de ruptura

 

Estudos privados demonstram que a Portela ainda tem anos de vida pela frente. Basta que se adapte, a baixo custo, a Base do Montijo, para as companhias low cost. Mas o Governo recusa a ideia, que pouparia cinco mil milhões ao contribuinte.

 

O Aeroporto da Portela não está esgotado e, com poucas dezenas de euros e melhor organização, pode aguentar as operações de voo durante mais 20 anos. Se o Estado optar por criar um segundo aeroporto, no local onde existe hoje a Base Aérea do Montijo, os dois aeroportos, em conjunto, terão um potencial para mais 50 anos, poupando os cinco mil milhões de euros que agora se quer investir em Alcochete.

As conclusões são de estudos privados a que “O Diabo” teve acesso e revela nesta edição. Pilotos e a própria TAP consideram que o drama da Portela, afinal, não é o espaço, mas o preço.

Um dos principais argumentos usados a favor do novo aeroporto de Alcochete é a exaustão da capacidade para receber aviões na Portela. Mas a simples previsão de chegadas e partidas para esta semana revela que apenas às oito e nove da manhã há alguma dificuldade para aterrar. Revela um estudo de Rui Rodrigues, especializado em mobilidade: “O número de ‘slots’ [que se dizem esgotadas] corresponde a apenas 6,8 poe cento do total disponível no aeroporto de Lisboa para todo o ano. Os pedidos de ‘slots’ podem ser rejeitados às horas de pico, contudo, as aeronaves podem aterrar ou descolar em Lisboa noutra altura do dia de menor tráfego. Esta situação também ocorre nos principais aeroportos da Europa, como Paris ou Londres”, afirma o engenheiro. Uma ‘slot’ é uma “vaga” no aeroporto. As transportadoras querem, naturalmente, chegar cedo e partir tarde, e vice-versa, nos voos de médio curso – dentro da Europa. Isto permite aos passageiros chegar ainda de manhã à cidade de destino e regressar à noite.

 

Falso problema

 

A falta destas ‘slots’ na Portela, no entanto, revela-se um falso problema. “O Diabo” comparou o estado do Aeroporto de Lisboa com dois grandes aeroportos da Europa, Londres e Paris. O Resultado (ver caixa) é surpreendente. Lisboa está quase às moscas.

As obras na Portela permitem ainda conseguir 64 posições de estacionamento – os lugares onde os aviões esperam enquanto não fazem novo voo. Ora, levando em conta os movimentos possíveis em Lisboa, do que a cidade pode necessitar não é de um novo aeródromo: é de mais lugares para estacionar. E aqui o problema é grave.

Fonte da transportadora aérea nacional confirma a “O Diabo” que “o principal problema do Aeroporto da Portela para a TAP é o preço que a ANA Aeroportos cobra por ter um avião estacionado”. Por isso, continua a mesma fonte, “a passagem para Alcochete permite diminuir os custos, porque há mais terreno e mais barato”.

O mais curioso é que um estudo da própria ANA, datado de 1994 e ocultado pelo Governo quando apresentou as propostas para um novo aeroporto para a cidade, explica, numa alínea simples mas escondida no meio de tanta página, que a solução mais económica seria manter a Portela e juntar a esta pista um novo aeroporto em Lisboa, fazendo a reconversão da pista miltar do Montijo.

A proposta volta agora a ganhar força, quando a opção de construção de um mega-aeroporto em Alcochete está a ser posta em causa, devido aos custos – cinco mil milhões de euros.

“A Portela ficaria como receptora de aviões de médio curso, enquanto no Montijo estacionariam os transatlânticos e os aviões de companhias low cost. Faz sentido”, avança a “O Diabo” o comandante de Airbus, Augusto Brites.

Associado do Sindicato dos Pilotos de Aviação Civil, o comandante opina que “os aviões de longo curso, como os Airbus A330, agora adquiridos pela TAP, poderiam estacionar no Montijo, uma vez que têm uma rotação que pode demorar 10 horas. Isto diminuiria os custos operacionais” do avião em terra.

A importância da Base do Montijo tem sido pouco debatida. Conta um antigo militar que conhece a Base: “Ali estão instalações quase desactivadas, mas a tradição manda que nenhuma instituição se pode desfazer do que é dela sem ser bem compensada. Por isso, para ficar com a base do Montijo, o Estado terá de arranjar terrenos para os antigos donos...”.

 

O ataque das low-cost

 

O maior problema da transportadora aérea nacional é, neste momento, a concorrência das companhias “low-cost”, ou de baixo custo, que propõem, por exemplo, voos entre Lisboa e Madrid a 17 euros e, para Londres, a 25 euros, com taxas incluídas. Estas empresas não pagam quase nada em estacionamento, uma vez que os seus aviões estão sempre a rodar.

Um estudo da Associação de Turismo de Lisboa define os passageiros das companhias low-cost como quadros superiores (cerca de 30 por cento) ou profissionais liberais, com elevadas qualificações académicas, que desejam poupar na viagem para gastar mais em hotéis. A empresa britânica ‘Easyjet’ é já a segunda maior companhia aérea em Portugal, ligando directamente as cidades continentais a Londres, Madrid, Paris, etc., a preços muito baixos.

Em qualquer dos casos, regista-se este ano uma baixa significativa no turismo. O número de visitantes registou menos 11,4 por cento em Maio, segundo dados do Turismo de Portugal. Os voos charter baixaram 24,6 por cento e há menos 6,1 por cento de passageiros nas low cost.

Só a empresa Ryanair, uma das maiores da Europa, transportou em 2007 perto de 40 milhões de pessoas na Europa. Quer crescer, mas para aeroportos baratos. A TAP, entretanto, tem vindo a perder no mercado europeu, com voos mais caros, quer no preço quer no custo de operação. A Portela, mantendo a política de preços elevados, afasta também as empresas de transporte aéreo que procuram preços baixos para estacionar.

Mas, afinal, porque pode um aeroporto no Montijo ajudar a fixar estas empresas e a aumentar o turismo? Diz o estudo de Rui Rodrigues: “Uma ‘low cost’ quer ficar a menos de uma hora da cidade, e quer transportes ferroviários e rodoviários competentes para os seus passageiros. Prefere também as mangas de aeroporto para embarcar e desembarcar, uma vez que lhes permite maior rapidez na rotação”. Em Lisboa, o preço das mangas era, em 2007, de 3,70 euros por minuto, o que implica, para uma ‘low cost’, cerca de 222 euros por hora. Mas enquanto as ‘low cost’ chegam e partem neste tempo, a TAP pode ter que ficar, como se disse, cerca de dez horas à espera”.

Por isso, a transportadora aérea nacional prefere embarcar e desembarcar os seus passageiros por escadas e levá-los por autocarro, mesmo com chuva e frio. A TAP teve 71.384 movimentos em Lisboa no ano de 2007. Se estimarmos que cada avião pode demorar uma hora em cada manga, chega-se ao número de 16 milhões de euros a mais nas contas da transportadora aérea portuguesa – custo que a TAP não está disposta a pagar à ANA. “O Diabo” tentou insistentemente contactar o gabinete de relações públicas e imprensa da ANA para esclarecer todas estas dúvidas, ao longo de vários dias, mas sem sucesso.

Há dois últimos problemas na Portela, que podem ser resolvido com poucos milhares de euros: a criação de mais espaço para estacionar e um novo “taxiway” (uma “estrada” para os aviões se deslocarem dentro do espaço do aeroporto, vindos dos terminais até às pistas e vice-versa.

Mais espaço consegue-se com a retirada dos militares de Figo Maduro. Diz o comandante Augusto Brites: “Se hovesse vontade de passar a Base Militar para outro local, podia repavimentar-se a zona militar para aguentar os jactos civis e, assim, aumentar a capacidade da Portela”.

Entretanto, o “taxiway” da pista principal da Portela vai apenas até dois terços da pista, sem obrigar a cruzamento da mesma (ver figura, nestas páginas). Ora, se os aviões pudessem circular livremente, sem interferir com os que estão a levantar ou aterrar na pista 03/21, aumentavam-se as “slots”, e o tempo de espera era menor. Fala-se de pouco mais de um quilómetro de asfalto e de um aumento significativo de capacidade. Mais quatro movimentos por hora – de 35 para 39 possíveis –, o que daria a Lisboa uma entrada, em hora de ponta, de mais cem mil passageiros/ano, considerando apenas quatro dias de tráfego intenso na Portela.

 

 

Quebra nos passageiros

 

Para ajudar ao argumento de que um novo aeroporto será um investimento caro demais para as necessidades, estão os números do primeiro semestre deste ano. Segundo a ANA, o tráfego decresceu seis por cento a nível nacional. Foram menos 690 mil pessoas a escolher Portugal como destino de férias ou negócios. O aeroporto de Lisboa registou um decréscimo de cinco por cento, mas Faro, a pista que mais turismo dá ao Algarve, quebrou 10 por cento, e deixa as contas da administração aeroportuária em pânico. É que o Aeroporto de Sá Carneiro, no Porto, está às moscas (ver caixa) e também teve uma quebra de 4,4 por cento. Isto é: Lisboa e Faro pagavam os custos operacionais do Porto. Agora, todos perdem. A ANA defende-se: “Os [nossos] aeroportos têm vindo a apresentar decréscimos menos desfavoráveis que a generalidade dos aeroportos europeus”, sustenta em comunidado. O problema é que nos outros aeroportos as “slots” estão cheias, e o decréscimo, mesmo que acentuado, continua a gerar tráfego que permite lucros.

Mesmo assim, a ANA conseguiu, nos resultados de 2007, um lucro de 48 milhões de euros. Só que, para construir o novo aeroporto de Alcochete, o Estado teria de privatizar a companhia, uma vez que cederia a privados a exploração das novas pistas. Daniel Bessa e Eduardo Catroga, dois ex-ministros das Finanças, opõem-se à operação: “Nada pode ser vendido agora a não ser a preço de saldo”, diz Bessa. “O Estado, para defesa dos contribuintes, não deve vender em baixa”, diz Catroga. Mas é exactamente isso que tem de ser feito se Alcochete avançar. As receitas da ANA serão para o bolso de privados e não para o Estado.

Mais curioso é que os grandes investimentos das aerogares e pistas nacionais já estão feitos pela ANA. O Funchal, com o aumento da pista, levou 500 milhões de euros, e no Porto os descontrolados custos levaram a que a obra de amplicação, orçamentada em 60 milhões, viesse a custar cinco vezes mais: 300 milhões de euros.

Em Lisboa, o aumento do número de mangas para 20 e a construção de novo terminal e de melhor aerogare têm orçamento de 400 milhões. Quem ficar com a ANA vai gerir não apenas de Alcochete mas todos os aeroportos do País.

 

Aeromoscas de Beja

 

E, entretanto, José Socrates prepara-se para inaugurar, em Setembro, o novo aeroporto civil de Beja, que custou nove milhões e quinhentos mil euros. Os especialistas dizem que não faz sentido. “Nenhuma companhia, nem a TAP, tem voos previstos para Beja. Nenhuma. Zero”, diz uma fonte ligada à direcção do aeroporto alentejano a “O Diabo”. É por isso que nos diversos jornais dedicados à aviação civil e até em blogues e páginas de Internet se chama ao novo investimento o “aeromoscas” de Beja: estará às moscas, porque não tem voos. Tampouco interessa à carga. Conta a mesma fonte: “Como é que a carga sai daqui? De comboio? Não há. De autoestrada? Está a vários quilómetros...”.

A consultora Mercer, que fez o estudo do aeroporto, sublinha que só em 2020 é que o aeródromo alentejano conseguirá atingir o “break-even point”.

 

 

 

Aeroportos nacionais não estão lotados

 

Os gráficos apresentados abaixo são retirados de documentos oficiais da ANA Aeroportos e mostram as reservas para aterragens (“arrivals”) e descolagens (“departures”) nos três principais aeroportos nacionais. Como se pode ver, apenas as horas matinais têm maior frequência, chegando algumas a estar lotadas. Estudos privados ou de consultoras como a Parsons indicam que as obras no aeroporto poderiam colocar tudo a verde – e assim aumentar a capacidade sem precisar o Estado de investir em novo aeroporto de raiz, aproveitando apenas um secundário para os voos low-cost e transatlânticos.

 

Lisboa

 

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