O dito Iberismo é uma das mais antigas e persistentes doenças nacionais. Doença congénita, presente desde a mais recuada e primeva génese de Portugal, tem sido uma constante dramática ao longo de toda a sua História, manifestando-se ora em forma de ilusória exaltação pátria, ora em forma de depressiva desilusão, conduzindo mesmo, neste último caso, até momentos de muito baixa e rasteira traição nacional. Momento crucial de determinação do moderno conceito de Iberismo, se assim podemos dizer, é, naturalmente, a data de 1580, ou seja, o momento em que se dá a reunião da Coroa Portuguesa e Coroa Espanhola sob a uma mesma cabeça, a de Felipe II de Espanha, dito igualmente I de Portugal, momento a partir do qual o Iberismo passou também a não poder deixar de ser entendido senão numa exclusiva acepção negativa uma vez tornar-se concomitantemente impossível não significar a inexorável submissão dos interesses de Portugal ao Império de Castela, modernamente designado, tão pomposa quanto abusivamente, Espanha.
Como todos temos obrigação de saber mas por vezes tendemos a esquecer, até ao casamento de Isabel de Castela e Fernando de Aragão, os futuros Reis Católicos, em 1469, a Hispânia era composta por vários Reinos, entre os quais se contava, como é óbvio, também Portugal.
Sua Muito Católica Majestade, o Rei D. Juan Carlos visitou o Arquipélago da Madeira, lacuna agora colmatada, dos seus tempos de juventude em Portugal e dos seus posteriores afazeres de Estado. Juanito, para os amigos, mostra-se sempre simpático para com Portugal e os portugueses – e também não tem razão nenhuma para não o ser – fala português, uma coisa quase impensável para um espanhol e sobretudo num castelhano, e pensamos que tem ganho jus à consideração geral como homem e como estadista. Excedeu até as expectativas quando mandou calar aquele senhor que dá pelo nome de Chávez.
Por isso não há razão nenhuma de ordem pessoal para que o monarca de cerca de três quartos da antiga Hispânia não seja bem recebido no antigo reino de Portugal e dos Algarves. Quando, porém, as questões de Estado se intrometem nas visitas oficiais e nos passeios o caso muda de figura. E quando fôr caso disso os nossos representantes têm que pôr a coluna erecta, levantar o queixo, olhá-lo nos olhos e dizer-lhe o que for de justiça.
Durante a visita à Madeira decorreu o aniversário da banda de música de Câmara de Lobos, onde actuou a banda local e… a filarmónica de Olivenza (com “z”). Este evento foi promovido pela Secretaria de Estado Regional dos Assuntos Culturais.
Ora tal facto, à luz do diferendo que existe desde 1801/7 relativamente à ocupação ilegal daquela antiga e portuguesíssima vila – onde os espanhóis de resto, não têm razão alguma – só pode ser considerado uma provocação, ou uma distração de mau gosto. Aliás, de Espanha poderia ter vindo uma banda de 30000 localidades diferentes, mas escolheu-se a de Olivença. Não foi certamente por acaso. Moncloa sabe do seu ofício e é pena é que do lado português andem todos aparentemente a dormir na forma e ninguém faça o trabalho de casa.
Vejamos: a questão de Olivença é sistematicamente ignorada em todas as cimeiras luso-espanholas (e não ibéricas, um erro elementar!) que se realizam todos os seis meses – a próxima vai ser em Elvas. Mas, curiosamente, o primeiro-ministro Zapatero escreveu uma carta à direcção dos Amigos de Olivença (GAO) – patriótica associação constituída em 1938, e que desde então luta denodadamente pelo retorno de Olivença à sua Pátria – em que exortava o GAO “a participar positivamente na resolução do assunto”[1]. Mais tarde constituiu-se em Olivença o fórum “Além Guadiana” de iniciativa local para promover actividades de cariz cultural. Mas como se mostraram, de um modo geral, favoráveis a Portugal, tal não terá agradado às autoridades espanholas, que logo se moveram contra aquelas “irreverências”. No passado dia 11 de Julho, deram-se até ao desplante de inaugurar um busto dessa figura sinistra que foi Manuel Godoy – principal carrasco da Olivença portuguesa – numa das salas da Torre de Menagem do Castelo daquela vila, mandado construir por… D. Dinis.
Do lado de cá da raia, vários autarcas de municípios vizinhos, continuam a fazer e a dizer uma série de disparates, pois não há maneira de entenderem que têm que se desenvolver, juntando-se à costa portuguesa e não ao lado de lá da fronteira. É que no fim de serem chupados, os caramelos espanhóis deixam sempre uma grande amargo de boca...
Ora na Madeira a coisa fia ainda mais fino: os nossos “hermanos” – manda a boa higiene e os bons costumes que os irmãos, quando crescidos, devem viver em casas separadas – ainda alimentam reivindicações espúrias sobre as ilhas Selvagens e não devem gostar nada de actos de soberania portuguesa, como foi a recente visita de Jaime Gama, em Maio deste ano, enquanto presidente da Assembleia da República, àquele pedaço de território de grande importância estratégica .
E em tudo o que os espanhóis façam ou intentem, nós devemos desconfiar e é lamentável que os portugueses passassem a esquecer rapidamente os seus “segredos de família” e a andar com as “guardas” em baixo.
A banda de Olivença permaneceu quatro dias no Arquipélago e deu dois concertos, juntamente com a “Banda Recreio Camponês” de Câmara de Lobos: só fazia sentido recebê-la não como espanhola, mas como indo de território português… Mas tudo passou despercebido entre autoridades, população e meios de comunicação social.
Curiosamente, ou não, lá apareceu mais uma sondagem cretina, feita pela Universidade de Salamanca e publicitada pelo “El Pais” (tido como próximo do PSOE), em que se afirma que percentagens elevadas de portugueses e espanhóis pretendem a (maldita da) União Ibérica.
E houve até um conhecido banqueiro português que veio afirmar a necessidade de “amalgamar” tudo o mais possível. Já não chegavam os grotescos Saramago e Mário Lino, se auto-proclamarem traidores ao dizerem-se iberistas! O segundo, sendo ministro, continuou no governo; ao primeiro ofereceu-se-lhe uma fundação, paga com dinheiros públicos e com sede na casa dos bicos, moradia do grande Afonso de Albuquerque, que deve andar a ranger os dentes no túmulo.
Noutro âmbito, é ainda de reter que o Arquipélago da Madeira é aquele que pode, verdadeiramente, fazer concorrência em termos de turismo às ilhas Baleares e, sobretudo, às Canárias. E é curioso (e lamentável!) que a única ligação marítima entre o Continente e o arquipélago seja feita entre Portimão e o Funchal por um ferry-boat … espanhol.
Afinal o “manicómio em autogestão” não acabou nos tempos do famigerado PREC.[2]
[1] Carta entretanto enviada para o MNE e PR para os efeitos tidos por convenientes…
As luminárias da estatística aplicada acabam de chegar a mais uma brilhante conclusão: 30 por cento dos espanhóis e 40 por cento dos portugueses “apoiariam” uma “federação ibérica”. Dito assim, até parece verdade. Tendo ouvido “os portugueses” e “os espanhóis”, o extraordinário “barómetro” reflectiria de facto uma opinião, uma tendência, uma conclusão. Mas já todos sabemos que entre as “sondagens” e a realidade há um abismo difícil de transpor.
Carimbos de certificação académica não faltam a este “Barómetro de Opinião Luso-Espanhol” há dias divulgado (em Madrid, claro): vem chancelado pelo Instituto de Estudos Sociais da Universidade de Salamanca e pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa de Lisboa. Mas vai uma pessoa a ver a letra miudinha da sondagem e logo depara com a ficha técnica. E então percebe como se cozinham as grandes “federações ibéricas”. Pois, para chegarem ao inacreditável corolário, os estatísticos aplicados ouviram um total de… 876 pessoas, das quais 363 portuguesas e 513 espanholas! E ouviram-nas ao telefone!
Com base nesta pequena ficção, o “barómetro” tece intrincados raciocínios sobre as relações entre os dois países, o aproveitamento da água dos rios, os investimentos empresariais, as ligações ferroviárias e a eficácia policial. Se, em vez de terem ouvido 876 almas, tivessem ouvido 1.000, quase podiam dar a solução para o conflito israelo-árabe!
Perante o desconchavo, até o Bloco de Esquerda esboçou um sorriso de troça, ao dizer que uma hipotética federação ibérica “não se coloca hoje em dia”. O eurodeputado Capoulas Santos foi mais directo: pura e simplesmente, “não acredita nos resultados do estudo”!
Desta vez, os “federadores” estatísticos não tiveram mesmo jeitinho nenhum. Mas o que eles querem sabe a gente…