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Porque não há Monarquia em Portugal?

Com a República minada pelo descrédito político e pela corrupção, e quando se comemora mais um Primeiro de Dezembro, a pergunta impõe-se: afinal, porque não se restaura a Monarquia em Portugal? A resposta é a mesma, desde há 77 anos: porque os republicanos “blindaram” o seu regime de forma inexpugnável. E, perante este muro intransponível, os próprios monárquicos nem sempre se entendem...


 

“A primeira medida de Salazar quando iniciou a chefia do Governo, em 1932, foi autorizar o funeral de D. Manuel II em Portugal. E assim ‘enterrou’ a Monarquia”. Quem o sublinha é o politólogo Adelino Maltez, citando a leitura que então fizeram da decisão alguns círculos monárquicos.

 

De facto, a chegada de Oliveira Salazar ao poder e o início do Estado Novo, em Julho de 1932, coincidiram com a morte, no exílio em Inglaterra, do último Rei de Portugal, D. Manuel II. Com o desfile da urna pelo Terreiro do Paço, no mesmo local onde, 24 anos antes, haviam sido assassinados o Rei D. Carlos e o Infante D. Luís Filipe, Salazar tentava “enterrar” a Monarquia em Portugal. Através do Estado Novo, a República conseguiu sobreviver e assim continuou até a 25 de Abril de 1974. Até hoje.

 

Reconhecendo que existe – evidência confirmada ao longo das últimas décadas – uma certa “paridade política ibérica”, é normal que se pergunte: se, em 1978, a Espanha conseguiu transitar de uma ditadura para uma Monarquia Constitucional, porque é que em Portugal não se verificou a mesma situação? Seremos nós “geneticamente oposicionistas” aos regimes monárquicos? A resposta pode ser polémica, sobretudo quando a República se prepara para festejar, em 2010, cem anos de vida.

 

Após o 25 de Abril, um Parlamento dominado por republicanos ferrenhos fez inscrever na Constituição um parágrafo que “blinda” a República com um escudo à prova de bala: a lei fundamental do País proíbe taxativamente a mera discussão do regime. Sob esta ditadura constitucional, não é permitida sequer a realização de um referendo sobre a verdadeira vontade dos portugueses – a menos que a Constituição seja alterada.

 

Declarações públicas de protesto e abaixo-assinados não têm conseguido, até hoje, inverter esta situação, embora se saiba que no hemiciclo de São Bento tomam assento muitos monárquicos, deputados de partidos do “centrão”. ‘O Diabo’ apurou, no entanto, que nos círculos monárquicos se estuda o lançamento de uma acção conjunta de grande envergadura com vista à revisão constitucional e à posterior convocação de um referendo. “Não está em causa a democracia”, comentou para o nosso jornal uma fonte da organização do movimento pró-referendo. “Na verdade, o século XX mostrou que há mais democracia do lado monárquico do que do lado republicano, tanto em Portugal como no resto do mundo. O que está em causa, e apenas, é a figura do Chefe do Estado, que os republicanos dizem que deve ser um Presidente e os monárquicos defendem que seja um Rei”.

 

Este debate pode, pois, vir a dominar as celebrações republicanas do centenário. Para apimentar ainda mais a discussão, o “lobby” monárquico prepara-se para sublinhar que a própria República nunca foi referendada nem submetida a qualquer ratificação popular, resultando apenas de um golpe de Estado que, pelas armas, substituiu um regime por outro. A acrescentar a isto, mantém-se acesa a polémica sobre o regicídio de 1908, que muitos consideram “o baptismo de sangue” da República. “Um regime instaurado sobre um homicídio acarreta, necessariamente, um complexo de culpa”, comentam as nossas fontes. “Por isso os republicanos nunca quiseram referendar o seu regime nem admitem que ele seja posto em causa constitucionalmente”.

 

Uma breve análise da História recente permite, em todo o caso, constatar que também do lado monárquico há responsabilidades por distribuir. Nem sempre estes se entendem, divididos por quezílias e divergências pessoais que não ajudam à causa da restauração. E até querelas doutrinárias e dinásticas envenenam o debate nas hostes realistas, contribuindo a seu modo para que não se alcance uma unidade que permita acções comuns no sentido de sentar na Chefia do Estado um Rei, como se verifica na maioria dos países da Velha Europa.

 

Para compreender a génese de algumas dessas divergências é preciso recuarmos, pelo menos, 175 anos no tempo, até 26 de Maio de 1834, dia em que se assinou a Convenção de Evoramonte, que pôs fim a dois anos de Guerra Civil, iniciada em 1832 entre os “liberais”, apoiantes de D. Pedro IV, e os “legitimistas”, liderados pelo seu irmão mais novo, D. Miguel. Em Evoramonte, este último aceitou capitular e abandonar o País.

 

D. Pedro IV, que abdicara do Trono do Brasil para lutar pelo direito constitucional da sua filha, D. Maria II, não viveria muito mais tempo: o vencedor da Guerra Civil faleceu de tuberculose, com apenas 32 anos, a 24 de Setembro de 1834, no mesmo quarto onde nascera, hoje conhecido por Sala D. Quixote, no Palácio de Queluz.

 

Desde esse “acordo” surgem dois ramos familiares que irão crescer em paralelo, mas reflectindo os lados que se opuseram durante a Guerra Civil de 1832-34: um, o “constitucionalista”, dos descendentes de D. Pedro IV (D. Maria II, D. Pedro IV, D. Luís, D. Carlos e D. Manuel II); outro, a facção “legitimista” (depreciativamente chamada “absolutista”), derrotada na Guerra Civil, exilada na Áustria, que se manteve representada por D. Duarte Nuno, pai de D. Duarte, o actual chefe da Casa de Bragança. Desta forma, D. Manuel II foi o último descendente de D. Pedro IV mas, quando morreu no exílio, em Inglaterra – para onde se expatriou após o golpe republicano de 5 de Outubro de 1910 –, não deixou descendência.

 

Tenhamos presente que a sua morte ocorreu na mesma altura em que Salazar formava Governo. Os monárquicos estavam, então, divididos entre aqueles que advogavam uma solução “liberal” e os que defendiam os direitos ao Trono da família de D. Miguel, exilada na Áustria. Naqueles anos difíceis para as contas estatais, consequência dos primeiros 22 anos da República, Salazar percebeu como essa cisão lhe poderia ser útil, tanto mais que a sua duvidosa fama de “monárquico” nunca teve qualquer proveito prático. Bem pelo contrário.             

 

Em 1933, um ano após a morte de D. Manuel II, último Rei de Portugal, era nítida a desunião entre os monárquicos portugueses: enquanto os “legitimistas” rumavam à Igreja dos Mártires, no Chiado, para a missa em memória do defunto Rei, os partidários dos descendentes de D. Miguel optavam pela Igreja de S. Domingos. É preciso não esquecer, nesta resumida abordagem, que ainda pendia sobre os descendentes de D. Miguel a Lei do Banimento, datada de 1834, em que se estabelecia que o Rei exilado e toda a sua futura descendência estavam apartados do direito sucessório ao Trono de Portugal (e até do direito de residência no País). Contudo, nos anos 50, Salazar aprovaria o regresso a Portugal da família de D. Duarte, atiçando com isso as quezílias entre as várias “facções” e conseguindo assim afastar possíveis obstáculos à sua forma de governação. Desta forma, também ele contribuía para a “blindagem” do regime republicano.

 

A generalidade dos monárquicos portugueses revê-se hoje em D. Duarte, chefe da Casa de Bragança com descendência assegurada, olhando com incómodo pequenos grupos contestatários (que prefeririam lançar para a ribalta “Reis” alternativos) e com ira os falsos “pretendentes” (como o siciliano Rosario Poidimani, que quando não está sob prisão, acusado de burlas e abusos de confiança, se afirma “herdeiro” de Maria Pia, cidadã italiana que se auto-proclamava “filha bastarda de D. Carlos”, entretanto falecida).

 

Em Outubro de 2008, durante um jantar da associação “Real Monarquia Portuguesa”, na cidade do Porto, D. Pedro Folque de Mendóça, 6º Duque de Loulé, descendente de D. Ana de Jesus Maria, a irmã mais nova de D. Pedro IV e D. Miguel, decidiu reivindicar “direitos dinásticos” que lhe adviriam dessa sua 4ª avó e apresentar-se como “pretendente ao Trono”. Contudo, Loulé admitiu então que “a minha decisão não prejudica o meu entendimento de que serão as Cortes, ou o Parlamento, que terão a palavra definitiva sobre esta matéria”.

 

Não será, contudo, difícil imaginar qual seria, na eventualidade de um debate parlamentar sobre a matéria, a decisão dos representantes do povo: o prestígio público de D. Duarte de Bragança parece inquestionável, sobretudo depois de ter constituído uma família e dado à causa monárquica a descendência que havia muito se aguardava. De resto, pressionado por declarações públicas do “pretendente” siciliano, o próprio Estado Português, consciente da necessidade histórica de identificar formalmente o herdeiro dos Reis de Portugal, acabou por confirmar D. Duarte, Duque de Bragança, nessa qualidade e condição.

 

A fundamentação do Estado baseava-se no “reconhecimento histórico e da tradição do Povo Português” e no “reconhecimento tácito das restantes Casas Reais da Europa e do Mundo, com as quais a Casa de Bragança partilha laços de consanguinidade”. Falando em nome do Estado, o então ministro Freitas do Amaral sublinhou que os Duques de Bragança “são várias vezes enviados a representar o Povo Português em eventos de natureza cultural, humanitária ou religiosa no estrangeiro, ocasião em que lhes é conferido o passaporte diplomático”.

 

Apesar de esta questão se encontrar aparentemente encerrada, outros factores de dissenção não têm permitido uma unidade de acção entre os monárquicos. São factores organizacionais, de concepção sobre a forma de articulação das várias “correntes” – mas são também factores doutrinários “de fundo”. Por exemplo, muitos realistas contestam que exista um “partido monárquico”, sustentando que a Monarquia não é uma questão partidária (mas sim de Chefia do Estado) e que os monárquicos podem aderir aos partidos da sua preferência ideológica, como em qualquer Monarquia Constitucional. Do lado oposto, critica-se a D. Duarte não se assumir mais abertamente como “líder activo” do movimento monárquico, promovendo “uns Estados Gerais” que traçassem uma estratégia para o futuro. Sobretudo atendendo à “vantagem mediática” que os republicanos tentarão obter com o centenário da República, em 2010…

 

O Herdeiro e os “pretendentes”

O nome mais consensual como Herdeiro do Trono de Portugal é o de D. Duarte, Duque de Bragança, descendente em linha directa do primeiro Monarca português, D. Afonso Henriques.

 

 

Como “pretendente” assumiu-se há um ano D. Pedro Folque Mendóça, 6º Duque de Loulé. Contudo, é pouco conhecido e não conseguiu ainda explicar satisfatoriamente porque resolveu contestar D. Duarte. Muitos monárquicos acusam-no de “divisionista” por ter trazido uma fonte de discórdia ao movimento realista num momento em que ele mais precisaria de unidade.

 

 

Rosario Poidimani pretende “aproveitar a confusão” e apresentar-se também como “pretendente”. As circunstâncias dúbias em que “herdou” os “direitos sucessórios” de uma cidadã italiana que nunca os teve, o seu conturbado percurso pessoal e ainda o facto de nem sequer ser português inutilizam-no para um debate sério sobre a questão.

 

Em última análise, qualquer pessoa poderia teoricamente tornar-se Rei de Portugal. Bastaria ver a sua pretensão legitimada pelos representantes do povo e ser aclamado em Cortes – como, de resto, sucedeu com D. João, Mestre da Ordem de Aviz, nas Cortes de Coimbra de 1385, que foi coroado D. João I e deu início à V Dinastia da Monarquia Portuguesa…

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