Há já muitos anos que os Prémios Nobel estão desacreditados. As pessoas atentas de todo o mundo sabem que os critérios usados para a escolha dos felizes contemplados (sobretudo nas áreas não científicas) são critérios simplesmente políticos e rasteiramente calculistas. Descaradamente comerciais, em alguns casos – como no desse bilioso ancião pseudo-português, estalinista mal-disposto com o mundo e com a humanidade inteira, e cujo nome agora não me ocorre.
A atribuição do Nobel da Paz ao actual presidente norte-americano é apenas o mais recente capítulo da farsa nobeliana. Tem, no entanto, a vantagem de pôr à mostra a inanidade, a vacuidade e a imprudência da ‘entente’ de políticos que hoje manipula a Europa. Pois não restam dúvidas de que o presidente do comité parlamentar Nobel (cuja demissão está já a ser pedida de todos os quadrantes) e os outros quatro políticos noruegueses responsáveis pela decisão final não fizeram mais do que ecoar o ‘mainstream’ da comunidade dos líderes políticos do “centrão” europeu. E, aqui, não importa se são “de direita” ou “de esquerda”.
Obscuro senador
O Comité Nobel disse que distinguiu Obama “pelos extraordinários esforços para reforçar o papel da diplomacia internacional e a cooperação entre os povos”, com realce para “o desarmamento nuclear, a paz no Médio Oriente e o melhoramento das relações Leste-Oeste”. Ora, este enunciado é que é extraordinário – por várias razões de peso. A principal fere os olhos, de tão evidente: o prazo de apuramento das nomeações para o Prémio Nobel terminou menos de duas semanas depois de Obama ter tomado posse, quando ele não tinha ainda tido tempo para qualquer iniciativa digna de registo. Em qualquer dos casos, que se saiba, até hoje, o laureado limitou-se a conhecer os cantos à Casa Branca, a “gerir” a sua “imagem” com os adidos de Imprensa e a papaguear declarações de intenções sobre as relações do Ocidente com o mundo muçulmano. A sua política em relação ao terrorismo foi já denunciada como perigosamente laxista; por outro lado, a sua estranha insistência na guerra do Afeganistão afasta-o de qualquer pretensão a “pacifista”.
Quem é, afinal, Barack Obama? Mulato do Havai, estudou Ciências Políticas e Direito na Columbia University e em Harvard, dirigiu um centro eclesial em Chicago, insinuou-se como político no Illinois e enriqueceu na advocacia de negócios. Eis tudo. Espreme-se e, mesmo que se tenha a maior das boas-vontades, não sai sumo. Em 2007, há apenas dois anos, era um obscuro senador que tentava desesperadamente que os seus colegas do Partido Democrático conseguissem fixar-lhe o nome.
O elo maçónico?
Como se explica que, de 2007 para 2009, este advogado de talento mediano se tenha tornado um dos homens aparentemente mais poderosos do mundo e Prémio Nobel da Paz? O ‘lobby’ anti-maçónico norte-americano sustenta que Obama chegou onde chegou porque é membro da Prince Hall, a “maçonaria dos negros”, com o Grau 32. A tese, embora tentadora, é um pouco forçada. Fundada em 1791 por Prince Hall (natural de Barbados e, também ele, um mulato), esta obediência maçónica “irregular” pratica o Rito Escocês Antigo e Aceite e detém alguma influência na sociedade remediada de Boston e em certas zonas da costa atlântica norte. Porém, apesar de o seu Supremo Conselho do Grau 33 ter um “tratado de amizade” com o Supremo Conselho dos Estados Unidos (Jurisdição Norte), não é reconhecido pela Loja-Mãe da Maçonaria universal, a Grande Loja Unida de Inglaterra. E a sua relação com a generalidade das Grandes Lojas “caucasianas” é praticamente nula. Por mais que uma teoria da conspiração pudesse agradar aos inimigos de Obama, o facto é que a pertença à Prince Hall Freemasonry não lhe conferia qualquer especial vantagem na cena política norte-americana.
A explicação é outra. E muito mais simples: Barack Obama colocou-se numa posição em que podia servir, com vantagem sobre os demais candidatos (Hillary incluída), os interesses económicos dos grupos empresariais e industriais que sustentam o Partido Democrático. Como pôde ele colocar-se nessa posição? Igualmente simples: como advogado de negócios e como avençado do Council on Foreign Relations, uma “plataforma visível” em que giram interesses económicos “transversais”, e em cujos gabinetes se preparou a sua candidatura, certamente com o concurso (monetário e político) dos ‘lobbies’ empresariais mais directamente interessados. Muitas vezes, a explicação está mesmo à nossa frente – nós é que não queremos vê-la, no desejo de encontrarmos conspirações “secretas” onde há, apenas, conspirações óbvias e, até, semi-públicas.
‘Lobby’ contra ‘lobby’
Compreende-se, assim, que fizessem deste papagaio (como em geral são os presidentes, sempre reféns de quem os lá pôs) chefe do Estado norte-americano. O que ultrapassa todos os limites é que, num excesso de zelo que embaraça o próprio galardoado, o Comité Nobel tenha decidido considerá-lo o campeão universal da paz. Com humor, o site dedefensa.org chama-lhe “Prix Bordel de la Paix”. E o site pacifista truthdig.com noticia com sarcasmo: “O Comité Nobel interrompeu as meditações do presidente sobre como levar a cabo uma escalada na guerra do Afeganistão ao conceder-lhe o Prémio da Paz”.
Premiar, com o mais famoso galardão mundial, alguém que nada fez ainda, apenas com base em simples declarações de intenções, diz portanto tudo sobre o real valor desse Prémio, que há muito se desmascarou como mais um ‘lobby’ nos negócios da guerra e da poluição. Um ‘lobby’ que se opõe àquele que, anos antes, lá pôs e lá manteve Bush. Por isso Peter Beaumont escreveu no ‘The Guardian’: “A verdade é que parece que o prémio foi concedido a Barack Obama por aquilo que ele não é. Por não ser George W. Bush. Ou por ser menos George W. Bush. A questão, agora, é saber se, tendo sido glorificado por tuta e meia, o Prémio Nobel o ajudará no palco internacional ou se será um albatroz a rondar-lhe o pescoço”.
Aborto
Alguma coisa, no entanto, Obama fez. E esta devia ter-lhe vedado, à partida, o caminho do Nobel. Fez a defesa (embora “moderada” e calculada) do aborto, o que o coloca na triste posição de acompanhante num crime contra a vida. Isso mesmo foi já lembrado pelo jornal oficial da Santa Sé, o ‘Osservatore Romano’, sem no entanto conseguir explicar por que razão o Vaticano, numa primeira reacção precipitada, acolheu “favoravelmente” a concessão do Nobal da Paz a Obama. Indiscrição de algum arcebispo mais ligado aos interesses seculares do Novo Mundo?