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Jornal O Diabo

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O Progresso: um mito utopista com fim à vista

António Marques Bessa

 

Todos os anos gregorianos caímos na mesma esparrela armada pelo marketing armadilhado e ficamos convencidos de que estamos a celebrar algo de real. Na realidade não estamos a celebrar nada. E isso é um facto ululante.

 

O mito do Ano Novo remete-nos para uma esperança encantada na renovação das coisas, num mundo melhor, e as pessoas concertam-se a desejar melhorias entre si. O mito do Ano Novo, tal como se apresenta hoje, é um subproduto do mito do progresso avassalador, que exige que se deposite no futuro a certeza das melhorias que não se alcançaram no passado. As frustrações, perdas e retrocessos como que são submetidos à acção de um grande apagador universal, de modo que no quadro negro das nossas mentes se abre um espaço próprio preparado para as novas inscrições faustosas. Então 2010, seja lá o que isso for, é o ingresso num tempo novo e não estreado por nenhum mortal ou deus antigo. É um tempo reservado que só pode naquele dia, depois de bem bebidos, proporcionar a realização dos sonhos mais acarinhados.

 

Esta verificação geral, tão peculiar dos europeus e americanos e ainda em expansão em micromitos de uma mitogénese muito antiga, é de facto pouco romana e pouco tradicional. Para encontrar o ponto do tempo que cruzamos, quais argonautas do tempo sem bússola ou máquina cronológica, é infantil invocar com optimismo um tempo linear, segundo a crença recente no progresso.

 

Um dos sábios mais peculiares do mundo antigo traçou um mapa bem diferente do mapa que aceitamos. O grego Hesíodo escreveu que a Idade que se viveria pela sua altura era uma dura Idade do Ferro, decadente, sem horizontes e onde só os maus tinham uma palavra a dizer. Para trás estava a Idade de Ouro dos Deuses, e a Idade de Prata dos heróis. A Idade que iríamos viver durante muito tempo seria regida pelo ferro, pelas espadas, pela inclemência da Terra. O que devia repercutir até hoje, quando Ernst Jünger escreveu ‘Tempestades de Aço’, que dedicou à vivência da Primeira Grande Guerra. Eram o ferro e o aço, dos quais ainda não nos afastámos, que governavam a vida.

 

A época degradada é ainda aludida nas crónicas e sabedoria dos Vedas, que nos apontam que a vida decorre hoje sob um tempo dominado pelo destruidor da Criação: o tempo de Kali-Yuga, o que se tem por inevitável na sua interpretação canónica. Os próprios e autênticos cristãos sabem dogmaticamente que o futuro jamais poderá vir a reproduzir  o  estado original do Paraíso Perdido num espaço-tempo de tranquilidade e felicidade. Foi por isso que Milton se voltou para a poesia do ‘Paradise Lost’ e Blake escreveu e desenhou um Deus tão zangado e furioso com o que criou. Quer Milton, quer Blake, quer Mervin Pike com as ‘Crónicas de Gormenghast’, e que morreu doido, tinham essa centelha de sabedoria que antecipava o realmente acontecido e iminente no horizonte dos acontecimentos desagradáveis.

 

Três Nomes

Talvez o monge Viço, ao detalhar as três Idades e ao fazer um contraste entre a sua Idade (Idade dos Homens) com a Idade dos Deuses e a Idade dos Heróis fosse o primeiro pioneiro da Ideia de progresso que nos havia de invadir como uma lepra branca. É que a Idade do Homem dominada pela racionalidade assumia-se como um avanço em relação às idades em que predominavam a fé, os mitos e a arbitrariedade. Vico, com pretensões científicas, cotou-se na sociologia, mas foi um optimista. Na sua senda, e às vezes afastando-se dele, surgiram nomes muito fortes: Comte e Marx. O francês Auguste Comte do “Catecismo positivista”, inventor de uma religião, contava o tempo como uma sucessão de progressos que deviam culminar na época científica que hoje vivemos e que se entrevia no seu tempo. Nesse momento, todas as explicações seriam científicas e o poder político pertenceria a uma casta de tecnocratas e sociólogos, que imporiam a razão como matriz suficiente. Para trás estendiam-se idades de trevas, a que deu nomes de estudos desprestigiados: Idade Teológica e Idade Metafísica. À sua frente estendiam-se as virtualidades de uma era dominada pelas claridades das indústrias e pela emergência de poderes realmente racionais. Comte tinha lido Vico e o optimismo racional e a crença no progresso aí estava plasmada numa sociologia utópica e inventiva. O futuro era dos industriais, dos cientistas e dos sociólogos.

 

Não é nada disso que vemos. Mas Marx lera ambos, o que era grave, porque para lá das canecas de cerveja que bebia e do hegelianismo que o martirizava, assumiu o optimismo e ficou apto a pensar que o Geist (Espírito) tinha uma ideia para a História destes bichos humanos de grande progressismo porque se iria finalmente reconhecer e conhecer na sua realização. Ora que admira que a sociedade sem classes estivesse no fim do programa do Geist e do Marx? Hegel era progressista, Marx também, e finalmente o Geist também tinha de ser um crente no que criou.

 

Assim se enraizou a crença no progresso, nos trunfos da Ciência e numa vida sempre melhor, esquecendo que o mundo em si é um mundo de miseráveis e a cuja miséria escapa muito pouca gente. A miséria tornou-se uma doença endémica que exige um tratamento global. Mas quem serão os médicos? Os que querem vender vacinas, Tamiflu, que promovem as grandes indústrias farmacêuticas?

 

Claro que não. Parece que ninguém detém o “progresso” que agora não propõe a sociedade dos Homens como Vico, não lembra a sociedade industrial de Conte e a sua Igreja do progresso, nem já quer saber de Marx e da sua sociedade final sem classes. O que se propõe como fim da História, na versão que lhe deu Francis Fukuyama e outros cegos, é outra realização do Geist: é a “democracia”. E aqui é que está a verdadeira revelação. Não se pensa em mais nada. A História acaba aqui. Mas acabará de facto? Não existem pessoas que pensam outra coisa? Lá chegaremos com paciência.

 

Portugal na Face Oculta

António Marques Bessa

 

Um observador de Marte das realidades portugueses já deveria ter verificado que não há um caso Face Oculta. Todo o país deslizou pouco a pouco, e depois muito depressa, para o que ficou conhecido como Face Oculta, mas que é verdadeiramente um caso de polícia puro e duro. Mas para uma Polícia a sério.

 

No bloco de gelo à deriva, não a tal jangada de pedra, só se tem falado da parte emersa. Ou seja, do caso Casa Pia, do caso Carolina Salgado, do caso Voos da Cia, do caso Freeport, do caso Licenciatura de Sócrates, do caso Bragaparques, do caso Banco Privado de Negócios, para os quais a justiça deveria ser ligeira, cega, e dura. No entanto, é demorada, quase a deslizar sobre pasta elástica, numa inextricável rede de direitos incompreensível nas suas tolerâncias e ocos. Nos Estados Unidos, um poder de poderes, importantes indiciados em crimes financeiros, como foi o caso de Madoff, o ricalhaço viu-se condenado rapidamente a cem anos de prisão, os seus bens e de sua mulher foram confiscados e postos em leilão. Chama-se a isso tratar dos assuntos e nãos os deixar envoltos em fumo gasoso, para dez anos depois vir dizer, de mansinho, que o assunto prescreveu, que não há provas ou que as provas não provam nada. Maddof deveria ter feito a burla em Portugal e estaria de férias nas Caraíbas a gozar da sua riqueza roubada, à semelhança do que faz em Londres o suspeito chefe benfiquista Vale e Oliveira.

 

Toda a gente sabe que não há ordenados em Portugal que possam permitir a qualquer um comprar um Mustang, casas de sonho, um iate de luxo, quintas extensas. Se os grandes ricos se estão a multiplicar, como parecem apontar os índices da indústria de luxo, não é certamente por Portugal estar a enriquecer. Como o país empobrece assustadoramente, é na crise que prospera a fauna devorista que não tem uma ética de meios. Trata de se enriquecer de qualquer maneira, sejam os instrumentos desse abusivo enriquecimento bons ou maus, atirando assim para o cesto do lixo aquele famoso desígnio muito publicitado que os serviços públicos andam a divulgar: “as boas práticas”. As boas práticas cobrem as más práticas. E como os exemplos vêm de cima, que se espera que o povo miúdo faça? Traficar e enganar, mentir e prosperar.

 

O país indubitavelmente está na face oculta da Lua: desde empresários a sindicatos, desde o uso de dinheiros comunitários a utilização de dinheiros camarários, do futebol aos subsídios para as coisas que não se fazem, do subsídio de desemprego ao ululante subsídio de inserção social E nisto o sucateiro dá-nos um exemplo em tempo real do que se passa.

 

Tudo está comprometido e uma ‘operação mãos-limpas’ seria impossível de pensar só para colocar as despesas dos ministérios numa ordem racional.

 

A lei que nos rege é propositadamente preparada para dar estes resultados e ela não é a responsável pela anarquia que se segue. Os responsáveis são os hábeis legisladores que quiseram dar todas as oportunidades e mais uma aos ladrões, aos grandes gatunos, aos barões da sucata em que o país se tornou porque todos ficam bem na fotografia do polvo institucional. Eles têm nomes e fazem o favor de vir defender a lei que já viram não proteger os direitos dos portugueses comuns, mas que serve para assaltar sem risco esses mesmos portugueses comuns, de preferência fracos e inermes, velhos e desarmados. Decidiram que é bom ter um rebanho e também já estudaram as datas da tosquia.

 

O sistema da mentira

 

O pior fenómeno na sociedade portuguesa é a mentira. Todos mentem convincentemente e depois esquecem-se do que disseram. É um mal que afecta o crescimento económico, os desfalques, os rendimentos das grandes figuras de pau santo, as declarações de conluios nas Universidades, a administração nos hospitais, a dívida do Estado, o desemprego, a liberdade na comunicação social, o controle dos indivíduos na sua esfera privada, a produção efectiva do país, e, de uma forma geral, tudo o que diz respeito aos super-ricos e à sua deslocalização.

 

Na realidade, de que valeria ser super-rico, se depois se tinha de tratar nos hospitais do povo, mandar os filhos para a escola do povo, comer com o povo, falar com o povo e pagar impostos como o povo? Os passarões não são galinhas de aviário. Perguntaram a Sócrates, um dia em que ele repousava junto de uma quinta no mar Egeu, rodeado dos seus escravos:

 

- Diz-me, ó Sócrates, que fazem os peixes grandes no mar?

Sócrates mediu o seu estudante distraidamente e deu-lhe a resposta que parecia certeira como um tiro de arco:

 

- O mesmo que fazem os homens na terra. Os maiores comem os mais pequenos.

 

Poderemos ficar espantados e até um pouco tontos com a brutalidade do filósofo grego, mas ele só enunciava o resultado de uma observação repetida a que ele se tinha entregue desde que se entregara à alta reflexão política e filosófica.

 

Nada mudou então para cá. Mudaram os aspectos de como as coisas se realizam, mas não mudaram as categorias de Aristóteles nem a aplicabilidade das observações socráticas anotadas por Platão, nos anos de ouro daquela sociedade influente.

 

Penso que é preferível uma verdade pungente a mil mentiras dulcificantes, calmantes, amortecedoras, vaticinantes de futuros melhores. Os realistas das organizações mundiais já declararam que os portugueses até 2017 vão conhecer uma descida do seu nível de vida. Nada de estranhar: não é o que andava a proclamar Medina Carreira, como profeta, há anos? O desemprego e o encerramento de fábricas não se multiplicam?

 

Até quando vão os senhores do poder, engravatados, bem comidos, bem viajados, à nossa custa, com brutos carros, um exército de motoristas e secretárias, aguentar o país e os credores com mentiras? Há um limite para a mentira razoável, mas já não há mentiras que sustenham um país a fazer de conta.

 

Sentir-nos-íamos muito bem se pudéssemos concordar com tudo o que diz, no seu optimismo saxónico, Álvaro Santos Pereira (“Os Mitos da Economia Portuguesa”), que acredita num sistema de incentivos para a mudança. Mas quem decreta os incentivos bons e adequados? Não serão os mesmos autores deste pântano de leis que nos fazem reféns de um país nas nuvens? Era óptimo que fôssemos como Alice, para passar para o outro lado Espelho.

 

A erosão das defesas sociais como projecto

António Marques Bessa


A sociedade portuguesa há muito que anda a ser desmantelada. Por quem sabe o que faz e tem intenção em fazê-lo até ao fim. Cumpre aos ainda cidadãos compreender o que se passa e tratar de arranjar uma resposta adequada.

 

É sabido desde o tempo dos grandes antropólogos, de Franz Boas a Malinowski, de Radcliff Brown até ao recentemente falecido Lévy Strauss, que as estruturas matrizes das sociedades constam de coisas imateriais ligadas em rede que nós chamamos valores. Os valores são eles próprios heranças culturais antigas que ajudaram as sociedades a sobreviver no tempo longo da sua história. Os valores ajudam a rejeitar o que faz mal ao grupo e a aceitar o que o fortifica, para lá de oferecerem uma rede de apoio pessoal para acção relevante e para o comportamento de grupo. As pessoas não pensam nos valores, mas eles encontram-se na matriz de cada membro da sociedade e são partilhados pelo grupo.

 

Por outro lado, a existência de tal matiz de valores não impede a mudança, porque os valores não são imutáveis na periferia da matriz e desenvolveram-se para impedir a autodestruição e aguentar a sociabilidade. Uns têm natureza moral, outros natureza religiosa, outros ainda natureza económica e social, mesmo política. Mas todos tendem a influir decisivamente nas atitudes e nos comportamentos deles derivados.

 

Portanto, a primeira linha de defesa das sociedades é esta malha de valores compartilhados e vividos nas diversas esferas da acção humana. O antigo prémio Nobel Konrad Lorenz dizia que uma boa parte deles encontra-se nos Dez Mandamentos dados a Moisés, porque as poucas coisas que não se podem fazer estão lá listadas, logo abaixo do maior comando que é de tipo religioso.

 

 

COMO DEBILITAR E MATAR

 

Todos os séculos mostraram que as nações não são eternas, isto é, que as sociedades são mortais. E morrem por diversas razões. Mas a mais comum é por fazerem escolhas erradas em momentos críticos para a sua sobrevivência. Tinham uma elite política sem discernimento, sem tempo histórico, arrogante, inculta ou cega. E isso é suficiente para preparar o epitáfio.

 

Mas as coisas podem-se acelerar. Um inimigo astuto sabe que as resistências se encontram fundamentalmente nas matrizes, chamadas por muitos estudiosos, estruturas latentes, e o problema é simples: mudar as matrizes para as convenientes ao Inimigo, debilitando ao máximo as antigas. É um trabalho longo mas divertido.

 

O teórico fundamental desta operação teve que ultrapassar a dogmática leninista e estalinista e as precauções do chefe do partido comunista italiano à altura, Togliatti. Com efeito Antonio Gramsci (1891- 1937) condenado a 20 anos de prisão no regime fascista de Mussolini, teve tempo para anotar as manobrar nos seus Cadernos do Cárcere que se vulgarizaram nos anos de 1940. Qual é a sua teoria estratégica?

 

É muito simples. Depois de verificar o fracasso do comunismo na Itália através das manobras clássicas da greve geral e do golpe de Estado, Gramsci apercebeu-se que a sociedade italiana resistia ao assalto e não se deixava tomar porque resistia a partir de uma rede de imaterialidades que não se viam a olho nu: valores. Por isso explicou que enquanto não se destruíssem os “valores burgueses”, ou seja, as defesas da sociedade, não se conseguiria tomar o Estado. O comunismo avançaria em Itália segundo um modelo específico que deu frutos até Berlinguer e o seu eurocomunismo. Tratava-se de atacar os valores antigos com  “valores proletários” e operar a substituição. A sociedade mudaria e tornar-se-ia mais permissiva. Mas como: infiltrando agentes nos Seminários, na comunicação social, nas Universidades, no Exército e tratando da intelectualidade do país. Os novos intelectuais, tratados e normalizados nas novas matrizes tratariam da operação e chamou-lhes “intelectuais orgânicos”. E a guerra começou a fazer-se nestes moldes em que o terreno deixou de ser a fábrica ou o campo para se transferir para as comunicações, a religião, as forças armadas, a criação de cultura. A operação correu bem. O caminho para uma nova elite na Itália foi barrado pela Democracia Cristã, que pois se desmoronou.

 

O ensaio em Portugal foi excessivo e não respeitou os tempos. Começou a aborrecer as pessoas que ainda não tinham sofrido a erosão da mente e que tinham noções de honestidade e decência. Falhou também no 25 de Novembro, embora esta reacção salva-se a elite do partido comunista.

 

O que há então: é que os restos da operação continuam activos e os vírus lançados na matriz não hibernaram. A operação mudança continua, por isso a palavra de moda é “desvalorizar”. As novelas desvalorizam o casamento católico. Só aparece cerimonioso para depois levar ao divórcio. Os protagonistas enfrentam as contrariedades bebendo copiosamente ou drogando-se. Parece não haver casamento civil. Mas isso é propositado. As estações dão grande importância a coisas que não interessam e voz a patetas de grande calibre. Raramente tratam do essencial e estão longe de levar a cabo programas para a cidadania: porque praticam e abusam do intox e da contra-informação. E tudo se desvaloriza com o apoio destes meios poderosos do quarto poder, mesmo a crença última num Ser Criador a que Igreja numa estratégia de pura imbecilidade veio dar resposta. Ficámos tão contentes.

A erosão das defesas sociais como projecto

António Marques Bessa

 

A sociedade portuguesa há muito que anda a ser desmantelada. Por quem sabe o que faz e tem intenção em fazê-lo até ao fim. Cumpre aos ainda cidadãos compreender o que se passa e tratar de arranjar uma resposta adequada.

 

É sabido desde o tempo dos grandes antropólogos, de Franz Boas a Malinowski, de Radcliff Brown até ao recentemente falecido Lévy Strauss, que as estruturas matrizes das sociedades constam de coisas imateriais ligadas em rede que nós chamamos valores. Os valores são eles próprios heranças culturais antigas que ajudaram as sociedades a sobreviver no tempo longo da sua história. Os valores ajudam a rejeitar o que faz mal ao grupo e a aceitar o que o fortifica, para lá de oferecerem uma rede de apoio pessoal para acção relevante e para o comportamento de grupo. As pessoas não pensam nos valores, mas eles encontram-se na matriz de cada membro da sociedade e são partilhados pelo grupo.

 

Por outro lado, a existência de tal matiz de valores não impede a mudança, porque os valores não são imutáveis na periferia da matriz e desenvolveram-se para impedir a autodestruição e aguentar a sociabilidade. Uns têm natureza moral, outros natureza religiosa, outros ainda natureza económica e social, mesmo política. Mas todos tendem a influir decisivamente nas atitudes e nos comportamentos deles derivados.

 

Portanto, a primeira linha de defesa das sociedades é esta malha de valores compartilhados e vividos nas diversas esferas da acção humana. O antigo prémio Nobel Konrad Lorenz dizia que uma boa parte deles encontra-se nos Dez Mandamentos dados a Moisés, porque as poucas coisas que não se podem fazer estão lá listadas, logo abaixo do maior comando que é de tipo religioso.

 

 

COMO DEBILITAR E MATAR

 

Todos os séculos mostraram que as nações não são eternas, isto é, que as sociedades são mortais. E morrem por diversas razões. Mas a mais comum é por fazerem escolhas erradas em momentos críticos para a sua sobrevivência. Tinham uma elite política sem discernimento, sem tempo histórico, arrogante, inculta ou cega. E isso é suficiente para preparar o epitáfio.

 

Mas as coisas podem-se acelerar. Um inimigo astuto sabe que as resistências se encontram fundamentalmente nas matrizes, chamadas por muitos estudiosos, estruturas latentes, e o problema é simples: mudar as matrizes para as convenientes ao Inimigo, debilitando ao máximo as antigas. É um trabalho longo mas divertido.

 

O teórico fundamental desta operação teve que ultrapassar a dogmática leninista e estalinista e as precauções do chefe do partido comunista italiano à altura, Togliatti. Com efeito Antonio Gramsci (1891- 1937) condenado a 20 anos de prisão no regime fascista de Mussolini, teve tempo para anotar as manobrar nos seus Cadernos do Cárcere que se vulgarizaram nos anos de 1940. Qual é a sua teoria estratégica?

 

É muito simples. Depois de verificar o fracasso do comunismo na Itália através das manobras clássicas da greve geral e do golpe de Estado, Gramsci apercebeu-se que a sociedade italiana resistia ao assalto e não se deixava tomar porque resistia a partir de uma rede de imaterialidades que não se viam a olho nu: valores. Por isso explicou que enquanto não se destruíssem os “valores burgueses”, ou seja, as defesas da sociedade, não se conseguiria tomar o Estado. O comunismo avançaria em Itália segundo um modelo específico que deu frutos até Berlinguer e o seu eurocomunismo. Tratava-se de atacar os valores antigos com  “valores proletários” e operar a substituição. A sociedade mudaria e tornar-se-ia mais permissiva. Mas como: infiltrando agentes nos Seminários, na comunicação social, nas Universidades, no Exército e tratando da intelectualidade do país. Os novos intelectuais, tratados e normalizados nas novas matrizes tratariam da operação e chamou-lhes “intelectuais orgânicos”. E a guerra começou a fazer-se nestes moldes em que o terreno deixou de ser a fábrica ou o campo para se transferir para as comunicações, a religião, as forças armadas, a criação de cultura. A operação correu bem. O caminho para uma nova elite na Itália foi barrado pela Democracia Cristã, que pois se desmoronou.

 

O ensaio em Portugal foi excessivo e não respeitou os tempos. Começou a aborrecer as pessoas que ainda não tinham sofrido a erosão da mente e que tinham noções de honestidade e decência. Falhou também no 25 de Novembro, embora esta reacção salva-se a elite do partido comunista.

 

O que há então: é que os restos da operação continuam activos e os vírus lançados na matriz não hibernaram. A operação mudança continua, por isso a palavra de moda é “desvalorizar”. As novelas desvalorizam o casamento católico. Só aparece cerimonioso para depois levar ao divórcio. Os protagonistas enfrentam as contrariedades bebendo copiosamente ou drogando-se. Parece não haver casamento civil. Mas isso é propositado. As estações dão grande importância a coisas que não interessam e voz a patetas de grande calibre. Raramente tratam do essencial e estão longe de levar a cabo programas para a cidadania: porque praticam e abusam do intox e da contra-informação. E tudo se desvaloriza com o apoio destes meios poderosos do quarto poder, mesmo a crença última num Ser Criador a que Igreja numa estratégia de pura imbecilidade veio dar resposta. Ficámos tão contentes.

 

Sabem o que se passa: estamos em guerra pela nossa preservação e ainda não percebemos o grave que isso é e que perigos comporta.

Um pequeno exercício sobre a política externa portuguesa

António Marques Bessa

 

O povo que vota jamais está atento à política externa. Importa-se com as coisas pequenas que lhe tocam, mas nunca se preocupa com o que diz respeito a todos. Aqui um balázio no candidato do PSD, ali um despiste com mortos, acolá uma operação da GNR, noutro lado os costumados e lamentáveis choros dos lavradores, onde não há lavoura.

 

Mas, prestar atenção às coisas que o vão afectar no médio o longo prazo, não é com os portugueses. As decisões que são tomadas nas costas do povo, sem ele sequer notar, são muitas e graves. Portugal aderiu à Nato. O governo assim o decidiu da mesma forma que tornou o País em membro integrante do Projecto Europeu. Subsidia Cabo-Verde, Timor e outras antigas colónias sem dar satisfações. Coloca representações diplomáticas dispendiosas em sítios inacreditáveis e sem sentido, certamente só para arrumar indesejáveis no Ministério Cor de Rosa. A política prosseguida no plano externo tem-se revelado como unilateral, dependente dos USA e secundariamente dos governos, sem isenção para nenhum. Os grandes temas foram perdidos e novos temas não têm interesse real.

 

Quem na política externa?

 

Um pequeno conjunto de gente.

 

A começar pelo ministro do Negócios Estrangeiros, pelos seus secretários de Estado, conselheiros e máquina assessora. Todo este aparelho é responsável perante o seu ministro e este responde face ao primeiro-ministro. Se a política externa tivesse que responder perante o povo a coisa seria diferente. Mas esta política é muito secreta, (parece que é negócio do Estado), feita por poucos e com poucos, mas com dinheiro que circula segundo as redes definidas pelo ministro. E aí vão os impostos para as ONG amigas, para os serviços secretos de nada, para os pacóvios dos conselheiros filhos de conselheiros ou amigos, mas trata-se do palco onde se debate ainda a virtualidade do mar e a possibilidade da continentalidade centrada em Bruxelas, onde todos nos podem gozar como o último da fila dos pobres e pequenos, passado pela Eslováquia. Na realidade é uma política escondida, que agora obriga o país a enviar homens armados para o Afeganistão enfrentar os estudantes de Teologia islâmica, que nos obriga a ir para o Iraque, para os Balcãs, arriscar vidas, vidas que eram muito contestadas quando perdidas na Guiné ou em Moçambique. Nesta política externa alinhada já morreram muitos franceses, espanhóis, ingleses, suecos e outros. Ainda não perceberam que a política americana está errada e não devemos segui-la como cães de fila. Trata-se uma guerra que os soviéticos perderam e que já chegou ao Irão e à Índia.

 

Bem se vê que a adesão ao Euro encareceu toda a nossa vida e que o essencial não foi acautelados pelos negociadores da política externa. Mas quem se importa? Não eram eles os técnicos? Mas de quê? Do partido? A política externa face à EU é das piores. O País paga multas porque é atrasado, não “saca” o que pode porque é estúpido, é explorado porque gosta e cultiva o masoquismo activo, como a malta do BE.

 

Mas fica-se a saber que um número pequeno de pessoas trata da “grande política”, enquanto o povão se ocupa de futebol e, quando é chamado, é para decidir quem vai fazer “pequena política”. E assim é que está bem no país dos engenheirozinhos e dos engenhosos.

 

As Políticas Públicas

 

Temos vindo a assistir ao colapso das políticas públicas, ou seja, às grandes orientações do Governo para determinadas áreas de acção tidas como essenciais, como a justiça, a saúde, a educação o emprego, a defesa, a produção, o mar. O relatório do Observatório da Justiça é risível. Cada vez que fazem um, recomendam o contrário, que é rapidamente citado como se o Boaventura Sousa Santos, Teólogo, fosse um pequeno deus das Coisas Grandes. Não é. Fizeram-no e agora que aturem o seminarista e sua vertente jesuítica de diálogo. É mau fazer deuses de Coisas grandes, como recomendaria o autor do Deus das coisas pequenas (Arundhati Roy). Bom, depois a educação: está visto e confirmado que é uma desgraça: sabe-se cada vez menos. Qualquer dia só sabem falar com mil palavras. E contas? Só com calculadora. Estamos atrás como disse o Presidente? Atrás de quê? O esforço feito para a qualificação das pessoas foi destruído num instante por um decreto. Bom: sempre teremos mão-de-obra barata como prometeu Lino, o Grande “jamais”. Saúde? Não brinquemos: talvez seja por isso que a Inglaterra descobriu que os nossos médicos eram bons para ir para lá enquanto o ministério descobria que os cubanos eram bons para vir para aqui, sobretudo para o Alentejo. Se há algum programa de exterminação da população velha em marcha é bom que sejamos informados. É delirante mas é verdade: formam-se médicos à custa do Estado e vão para Inglaterra e uns “podões de Cuba” vêm para o Alentejo, gente que eu vi em Moçambique tentar curar a lepra manifesta nos dedos com antibióticos! Claro que os dedos pouco depois caiam. A lepra não se trata assim e isso era uma coisa que até eu sabia.

 

Otto von Bismarck que seguiu sempre a clara divisão entre Grande Política (Macht Politik) e Política Paroquial, também escreveu esta velha verdade: “As pessoas nunca mentem tanto como depois de uma caçada, durante uma guerra ou antes de uma eleição”. E na questão da política externa, como já se viu um número restrito, também se aplica a bela síntese de Simon Cameron, que afirma: “Político honesto é aquele que depois de comprado, permanece comprado”. E o melhor que se pode dizer sobre os governos desta terceira República é: os pobres aumentam.

Sobre a Experiência do Voto Repetida

António Marques Bessa

 

 

O voto tem sustentado inúmeros regimes. O problema tem consistido sobretudo em dois vectores: A) Quem pode votar? B) Como se contam os votos?

 

Estas duas questões essenciais condicionaram toda a vida política de sistemas que, sem abstenção, obtinham 100 por cento votos, ou de democracias populares e regimes em que apenas 5 por cento da população vota com o mesmo resultado final.

 

Se o povo fala – é duvidoso no mínimo que o faça – tudo depende do aparelho que lhe põem na boca: isto é, de como o burro vai albardado.

 

O sistema português é a demonstração pura e simples que a introdução geral das quadrilhas partidárias empobreceu a Monarquia e as repúblicas, atrasou o país, e continua a ser um dos principais empecilhos ao desenvolvimento. Pobres somos e continuaremos a ser.

 

 

Quem pode votar?

 

Inicialmente o voto era para quem podia assumir responsabilidades e pagar esse luxo. Se tinha riqueza (voto censitário), se tinha família e era responsável (voto familiar e múltiplo), se tinha idade e responsabilidade (voto etário) ou se era bem-nascido (voto aristocrático).

 

Na assembleia que em França mandou matar o rei por maioria de um voto, só os ricos é que tinham direito a voto. E foi assim. Na Inglaterra que enforcou o Rei foi a mesma coisa: voto para os ricos e aristocratas, que também eram ricos. E foi assim. Só aqui é que o Rei tinha que ser abatido ignobilmente a tiro por uma catrefada de esquentados da cabeça, sem representação dos ricos no Parlamento. Uma coisa de cafres. Celebram os assassinatos, não o enforcamento ou as decapitações.

 

Depois de se conceber que não há volta atrás, o direito ao voto expandiu-se, alargou-se, à velocidade da espuma dos produtos para a lavagem. Baixou a idade, desprezaram-se as responsabilidades, o rico ficou aparentemente igual ao pobre, o velho ao imberbe, o criminoso ao homem sério, a prostituta à senhora do campo. Chamou-se a isso o direito universal ao voto porque os estrangeiros, que pouco têm a ver com a nossa história, também iriam ser incluídos na sopa. E assim é bom. Mas assim é que é o plano, a agenda, para certos países. Tomem lá disto e não discutam. Para outros é bom ter ditaduras sangrentas e repressivas. Não é um assunto fechado.

 

Chega-se aos dias de hoje com um voto universal para escolher pessoas propostas por máquinas partidárias, que não passam de uma miserável amostra do país. As pessoas têm a ilusão que escolhem livremente, mas, afinal, só podem escolher o que a máquina segregou entre os seus obedientes servos da gleba. E acaba aqui esta pequena narrativa, de como coisas começaram desde a eleição dos Grandes reis germânicos, do Imperador do Sacro Império Germânico, do Papa, até à escolha dos notáveis de uma Assembleia de paspalhos ou de génios. É preciso notar que só o impagável general graduado Oliver Cromwell criou à sua conta uma inumerável quantidade de Parlamentos Ingleses, até chegar à interessante experiência de só mandar seleccionar Santos. Este problema dos Santos das Igreja perorarem só de Teologia aborreceu-o mortalmente e fechou o Parlamento, que assim permaneceu até ele falecer. Tinha finalmente percebido o problema: nem com Santos dos Últimos Tempos.

 

Portugal também é um caso destes. Nem com Santos representantes das Igrejas do Moacir, dos Protestantes, dos Muçulmanos, da Católica, dos Sadistas, dos masoquistas e das Lésbicas, e dos Hommos não sapiens se iria lá (voto sexual-religioso de minorias seleccionadas). Teríamos discussões teológico-sexuais todo o dia, até romper a aurora, com discursos para encantar ursinhos de peluche. Mas agora também é. Não foi uma artista porno-deputada na Assembleia Italiana, porém, já dizia Robert Heilein, o comportamento das prostitutas francesas só era ultrapassado pelo dos deputados franceses. O americano, autor de “Soldado no Espaço”, passado a filme, parece que não andava longe da realidade. Trata-se de um negócio mais sério, quer dizer, este das prostitutas, porque é muito mais antigo, começa na Suméria, em Sodoma e Gommorrha, na Babilónia. Enquanto outro, dito “de representação”, só começou muito mais tarde e muito limitado pelos usos e costumes do voto. Os reis locais e a sua guarda lá iam fazendo o seu trabalho neste emaranhado de sucessos, mas isso do voto eram coisas desconhecidas, enquanto a devassidão era muito bem-vinda. Mas isso em todos os Sistemas.

 

 

Como se Conta?

 

Aí é que está o segredo. Em Portugal, se alguém resolvesse tornar o sistema anárquico escolheria este método de contagem. Não se esqueça o leitor de quem o implantou com requintes de malvadez nos anos tórridos do que se chamou Conselho da Revolução. Tratava-se de não encontrar responsáveis nem estabilidade, para os senhores capitães continuarem à tripa forra a fazer o que se sabe que fizeram.

 

Em primeiro lugar a ideia de que todos os partidos deveriam poder concorrer, excepto obviamente os que fossem claramente anti-comunistas, porque estes eram os benfeitores da pátria. Só os de extrema-esquerda e um partideco de Centro, chefiado por indivíduo cheio de convicções, Freitas do Amaral, que tinha que fazer actos de fé na sociedade sem classes para ter direito à vida política. Foi hábil e ganhou muito com isso e outras coisas.

 

Noutros países pratica-se o limite de votos. Partidos que não alcançam um certo nível de votos são excluídos nas eleições seguintes.

 

Aqui resolveu-se aplicar um modo proporcional para distribuir deputados a toda a máquina, fornecendo-lhes meios, propaganda, e mercado.

 

Noutros países isso não é assim. Aplica-se a regra da maioria. Os pequenotes desaparecem da cena. A Inglaterra, provavelmente o país com mais experiência política no continente, que experimentou a Monarquia, o Governo Parlamentar, a Guerra Civil, a Ditadura Militar, o Regresso da Monarquia, a Correcção Parlamentar aos reis regressados do exílio, o contrato de um Rei vindo da Holanda para não reinar e deixar ao governo parlamentar a gestão política, deixou-se disso e das tretas que os constitucionalistas portugueses, muito tontos, acham o máximo: a sua própria construção jurídica, que só atrapalha.

 

Os partidos podem concorrer onde quiserem, mas o mais implantado e certificado pela população com quem está em contacto, ganha tudo quando ganha. Os outros perdem tudo. Clareza, limpeza, intervenção cidadã em tanto quanto possível, possibilidade ampla de agir. O sistema é claramente maioritário e produz governos que são responsabilizados.

 

A Inglaterra tem dinheiro para aguentar um sistema irracional como o que vigora aqui, que é produto dos militares e de alguns cérebros da Faculdade de Direito de Lisboa, mas não o quer. O deles funciona e gasta pouco dinheiro, até porque não pagam nada a sucessivos Presidentes vivos. É da tradição o Rei ser rico e pagar-se e ter um pequeno Orçamento. Vem isto do Rei Holandês contratado e que não sabia falar “british”. Os suecos que têm a admiração excessiva dos subdesenvolvidos do sul, também contrataram para Rei, um general de Napoleão e a Casa Real tem origem mele e na sua descendência. E que mal tem isso? É melhor ter pacóvios e depois reformá-los e pagar-lhes anos a fio a sua sobrevivência, num encobrimento envergonhado. Não me parece: se os querem, é tê-los e não lhes pagar nada depois.

 

Portanto os resultados dos votos serão sempre o resultado do método de apurar resultados que os facínoras dizem ser lei. E quem pôs isso na Lei? Não foram, os mesmos? Suas Excelências, para ali, suas Excelência para aqui, e depois é o que se vê, o que se ouve, o que se suspeita e o que é insuspeitável.

A universidade e os portugueses

António Marques Bessa

 

As Universidades foram desenvolvidas pelos religiosos católicos e depois pelas Cidades na época medieval (também dita das Trevas?). Foram, sem lugar a dúvida, as maiores instituições para promover os homens nascidos baixo a cargos prestigiados de legistas, de médicos, de farmacêuticos, de professores, de administradores de fortunas e assim por diante. Enfim, sabedores cultos e cientistas. As Universidades deram aos Povos aquilo que o Circo e todos os divertimentos modernos, não conseguiram oferecer em anos sem conta e que nunca conseguirão dar: melhor nível de vida às populações, através das tecnologias desenvolvidas e melhor conhecimento da realidade em que nos acontece viver, para tratar do nosso próprio bem-estar.


Hoje, como na ponte de anos que nos separa da sua fundação, eram supostas fazer o mesmo. Mas não fazem. E porquê?

 

Aconteceu o inesperado: a massificação

 

O êxito da Universidade foi o seu principal inimigo. Como fórmula de sucesso social e estamentário, motivou a sua invasão por arrivistas que não buscavam o saber mas o emprego e, logo de seguida, aconteceu o amplo caminho para a sua degradação, anquilosamento, imitação, assimilação e politização. A Universidade então abandonou grande parte dos seus grandes objectivos: ensinar com rigor, investigar, criar saber novo, preparar gente para a continuar no mesmo nível.


A massificação acarretou turmas multifacetadas de ilustres alunos, mas também de gente que nada tinha a ver com interesses genuínos de ser ensinado, investigar e aprender. Estavam interessados num título, bom ou mau, mas que lhe desse acesso a algo de interessante, nomeadamente um emprego público.

 

A tripla natureza da massificação

 

Mas a massificação não ocorreu só do lado dos estudantes vindos de um secundário degradado. Este movimento é impossível detê-lo, mas já veremos como foi contido. Registou-se sobretudo com a inflação de professores, não preparados, sem qualificações e, as mais das vezes, odiados pelos estudantes que eles  ensinavam e chumbavam sem explicação. A proliferação de professores no mercado das escolas superiores ditou respostas diversas e erradas. Exigir qualificações rápidas para responder ao problema empurrou uma multidão, que reprovaria aqui, para universidades de  Espanha onde obteve os títulos ambicionados, mas tal expediente encontra-se tão espalhado, de Saragoça aos Estados Unidos e daqui a Inglaterra, que era bom pensar nas certificações dos professores, como primeira medida contra a segunda grande massificação.


A terceira massificação é a onda europeia da mobilidade e da aplicação dos Acordos de Bolonha em que as Licenciaturas (antigamente de 5 anos) sem importância passam para 3 anos, o Mestrado para 2 anos com uma tesesinha incorporada, que é um pequeno texto de 60 páginas, e em seguida é que se vai para um curso de doutoramento, que custará  entre 10 000 e 4 000 euros. É o mercado. Bolonha fez o impensável: colocou tudo o que eram licenciaturas de humanidades, difíceis de maturar na cabaça de um estudante interessado, num ciclo de estudos de três anos, em que se fica a saber nada de nada. E aí estão já os licenciados bolonheses, que às vezes não sabem escrever, contar, somar, encontrar raízes quadradas, mas sabem muito da net, onde foram copiar trabalhos para dar aos seus professorzinhos.


Três ondas de delapidação fizeram a erosão dos maiores cursos não protegidos por Ordens. Os Engenheiros, Médicos, Advogados, Arquitectos puseram os pés à parede. Os outros não tiveram senão que amochar. E agacharam-se até. A Europa está nesta onda e as três massificações que podiam ser desviadas para escolas profissionais não o foram. Não dizia o José Cid: “Pai, eu não ser doutor”, numa fabulosa lírica que intitulou “Eu Nasci para a Música”? É isso. É perceber para que se nasce.

 

O supererro português

 

Ele consistiu em duplicar a rede das  Universidades, já multiplicadas com uma de Institutos Politécnicos, que, logo que criados, quiseram as prorrogativas da Universidade. Criados para serem cursos médios e técnicos, para se ligarem imediatamente ao trabalho, acabaram também a ensinar  humanidades, porque o Ministério era dirigido por tontos, porque os professores sem emprego abundavam e os doutoramentos estavam aí à mão. Nada de Institutos Industriais, Comerciais ou Agrícolas ou outros. A ideia dominante, aparentemente facial, consistia em acabar com o atraso e licenciar tudo o que mexia e era gente com BI. Os portugueses ficaram mal servidos com este expediente. Por isso a falência destas instituições está à porta e só se evita em certos casos admitindo alunos do secundário com 7 valores ou menos.

Portanto, ao responsabilizar as Universidades pela sua gestão, o Ministério sacudiu a água do capote e passou a afirmar: arranjem meios de financiamento. Que se pode fazer? Arranjar mais cursos inúteis, multiplicar as inutilidades funcionais e explorar os professores.

 

E vem agora o novo ECDU

 

Esta é a última revelação. O Ministério do Ensino Superior, neste desespero, tentou tapar o dique com um dedo e criou, agora em 2009, o Estatuto da Carreira Docente Universitária (vulgo ECDU). E eis aí a nova lei do Ensino Superior que é um funil aplicado aos professores. Os alunos estão bem e recomendam-se. O que importa é disciplinar os malandros, criar-lhe uma fieira por onde dificilmente passarão, acabar com o tipo contratos existentes para os novos, colocar novas regras. Parece ter sido feito por engenheiros que estudaram nos USA e que não se notabilizaram por ter inventado nada, a não ser regras. Mas pensam que 10 milhões de pessoas devem ter sistemas  iguais às superpotências. Que bom. Seria melhor ver o que faz na Holanda, na Bélgica, Lituânia, Eslovénia, países com a dimensão demográfica do nosso.


Todavia as principais matrizes são conhecidas e do agrado de controleiros: burocratização, artigos em inglês, afunilamento, barreiras visíveis à progressão na carreira docente, a que se somam as exigências de grande produtividade científica. Não se vê como se vão conseguir esses objectivos, com alunos medíocres que vêm do secundário e são incentivados pelo Ministério a faltar às aulas, a repetir exames, a tornar a vida universitária um inferno. 

 

Isto ainda acaba mal. A não ser que se perceba o que são incentivos a estudantes, a pessoal burocrático e a docentes certificados. Sem isso temos todo o jogo viciado como esteve até hoje e não é este documento, por muito boas intenções que tenha, que vai alterar o fundo da questão: não temos ciência competitiva. Porque como agora, quem sabe pensar, tem possibilidades e está entre os melhores, vota com os pés: vai-se embora e não volta.

O Sistema não tem inimigos

António Marques Bessa

 

Torna-se importante notar que, desde o Bloco de Esquerda até ao CDS, passando portanto pelo PCP, PSD e PS, não há qualquer posição que desafie o Sistema Político Instalado. Todos se dizem democratas e declaram aceitar as regras do jogo. Parece simples, mas não é.

 

Em 1974 e 1975, o PCP, como partido revolucionário, jogou para impor um Sistema diferente deste e semelhante ao que existia ao tempo na URSS. Vieram a perceber que não conseguiam e passaram a entrar no Sistema, que os seu dirigentes só formalmente criticam com um lista previsível de acusações, todas elas feitas ao nível prático. Segundo esse relato, o Sistema não está aperfeiçoado porque não garante uma lista enorme de direitos dos trabalhadores. O discurso não tem substância porque não ataca o sistema directamente numa linha leninista ou mesmo marxista, como devia ser a matriz do dito partido vermelho da foice e do martelo.

 

O recém criado Bloco, formado pelos trânsfugas de três partidos de extrema esquerda, cujo triunvirato ainda se nota com a hegemonia do demagogo Francisco Louçã, não teve senão que aceitar o Sistema e lutar por votos segundo “as regras do jogo”. Mas mais: vindos de um pensamento totalitário e claramente anti-democrata, passaram imediatamente ao acto de adoração latrêutica à democracia, que segundo eles está imperfeita.

 

Cadeia alimentar

 

O Partido Socialista, vindo dos exagerados excessos dos jovens exilados na Alemanha, como bem descreve Rui Mateus, perceberam desde cedo o significado da riqueza e o peso do dinheiro. E essa compreensão era incompatível com o marxismo que diziam professar. Por consequência, tiveram que enfrentar num combate mortal a máquina treinada e subversiva do PCP, que queria o poder em Portugal e julgava isso possível instrumentalizando o poder militar, e em seguida definir o Sistema em seu favor. Meteram o marxismo e até o socialismo na gaveta da secretária e banquetearam-se, quando no controle do Sistema, com os recursos do Sistema. Definiram a exploração a seu favor, colocando-se no topo da cadeia alimentar. Foram anos em que o Sistema tomava forma e em que quem passava pelo círculo do poder ficava rico, como é hoje manifesto. A diferença de pecúlio entre o momento da chegada ao círculo e o momento de saída é verdadeiramente notável e não se explica pelos ordenados. Com vocação para o Sistema, o PS ajudou fortemente a erguer o Sistema de que beneficia agora. É um defensor do Sistema.

 

O PSD fez uma longa caminhada com os mal vistos pelo Sistema. Forçou a entrada no Sistema contra o PS e o PCP e tratou de colaborar  na adequação do Sistema às suas necessidades alimentares. Na realidade, é um defensor do Sistema, porque o Sistema é também uma criação sua. Também entende que o Sistema tem que ser melhorado, com menos corrupção, mais transparência, mais emprego, mais seriedade. É o discurso do costume. Os slogans são pobres nesta campanha e todos intrinsecamente falsos ou ambíguos. A sua máquina desatinada defende o Sistema, só com alguns não alinhados a apontar o dedo ao sítio certo. São defensores do Sistema.

 

O CDS, depois de muitas mutações, conseguiu sair de uns pequenos papéis colados nas bocas de Metro da cidade de Lisboa e entrar no Sistema como parente pobre. Ensaiou na sua área de interesses todas as estratégias possíveis com Freitas do Amaral, Lucas Pires, Adriano Moreira, Ribeiro e Castro e Paulo Portas. Foi do Centro (de quê?), foi partido democrata-cristão fora de tempo, foi a direita possível no Sistema, foi conservador, foi neoliberal, tornou a ser cristão e de direita. Bom, mas é do Sistema. Propõe mudanças no Sistema, mas é democrata.

 

Não se vê no espectro de partidos políticos com representação na Assembleia quem não seja do Sistema e esteja ali para derrubar o Sistema.

 

Oligarquia satisfeita

 

Isto significa o êxito da democracia em Portugal, mas não uma democracia de êxito, de sucesso. É o sucesso do Sistema, mas o Sistema não nos leva ao sucesso. É caro, inoperacional, pouco eficiente, facilmente corrompido e, acima de tudo, proporcionou a formação de uma oligarquia política que se alimenta do Estado e que desempenha essa função sem sentido de serviço a não ser o serviço que faz a si mesma.

 

A oligarquia existente tem mudado muito lentamente no tipo de pessoas, mas revela-se incapaz de se renovar verdadeiramente até pela presença de famílias, cujos descendentes parecem que herdam a faculdade de  subir ao círculo do poderio político.

 

É interessante estudar o modo como a oligarquia reage a uma ameaça de expulsão ou de renovação. A primeira feita com sentido foi a do partido dito PRD, que aproveitou a figura do General Eanes para se desenvolver e ganhar uma parte substancial da Assembleia, preparando-se, como é lógico, para partilhar os bens disponíveis no Sistema. Todos os partidos (claro que queremos significar os dirigentes contentes dos partidos) identificaram o inimigo: os despojos do dia, o festim, estava ameaçado porque chegavam uns sujeitos esfomeados. Tocaram as trombetas e o partido, depois de umas manhosas habilidades, desapareceu por onde veio, espalhando-se o pessoal dirigente por uns tachos adequados para os manter longe da grande gamela, mas satisfeitos. A mais recente experiência é a sanha com que tratam a rapaziada pouco cristã, cabeça rapada, fatos pretos, correntes, do partido nacionalista. Crêem piamente que ali há nazismo, xenofobia, que os miúdos e as miúdas têm quartos que em vez de exibir cartazes dos Bandemónio, ou dos figurões do heavy metal, têm é o preocupante hábito de pintar suásticas nas paredes, talvez meter umas fotos do tio Adolfo em vez do sorumbático e doente Lenine, e para mais são capazes de ter escondido algumas cópias proibidas do Mein Kampf. É tão preocupante que todos querem eliminá-los e nem sequer os querem deixar ter acesso ao Kindergarten político. Isto já é maldade ou querer mostrar serviço, quando o serviço deveria consistir em prender os criminosos que infestam o país e que, contra a opinião dos abalizados e indocumentados comentadores, no Sistema, na minha opinião só vai piorar.

 

Em jeito de resumo: o Sistema só pode ter inimigos nas cabeças quentes dos miúdos enquadrados pelo partido declarado inimigo. Os dependentes do Sistema: são os desempregados com subsídio, ciganos financiados, emigrantes assaltantes, bandidos, funcionários da máquina, enfim, tudo pequena gente. O que consta é que as alternativas a este Sistema nem sequer foram enumeradas ou formulados ou enunciadas. Isto significa que a oligarquia política está satisfeita. Não luta entre si, entende-se. O povão vê o espectáculo mediático da luta política que parece um jogo de futebol morno e sem craques. A oligarquia, depois da festa, vai fazer o festim. O que é importante para a oligarquia é enganar sistematicamente o povão composto infelizmente por uma percentagem razoável de gente boa que ainda não passou à floresta. Só isso preocupará a oligarquia impávida e arrogante.

A ideologia é descartável?

António Marques Bessa

 

Há algum tempo grandes mestres do pensamento ocidental anunciaram repetidamente que as ideologias estavam a morrer ou até já tinham morrido e nós não sabíamos desse fenómeno notável. Nesta carreira estiveram pensadores notáveis que acharam que as ideologias eram um aborrecimento para a sua própria inteligência. E de facto eram excepções, que tinham superado essa fase de pensamento e se tinham inclinado para o pensamento científico, porque a ideologia, compreendiam, não salva ninguém e só serve um senhor – o seu amável dono.

 

Homens como o grande intelectual judeu conservador Raymond Aron gastaram livros a provar a convergência inevitável entre comunismo e capitalismo, em diversos ensaios sobre as tendências da sociedade industrial. Keneth Galbraith, para lá de se notabilizar como embaixador na Índia, ainda proclamou o fim das ideologias. Lá fica, para além da sua análise geral da grande crise, o seu livro “O Estado industrial” a exigir em todo o lado uma igual elite de tecnocratas eficientes, como o profeta sociólogo Comte escreveu no seu “Catecismo Positivista”, séculos antes. Tudo iria para o mesmo sítio. Só se atreveu a contrariar esta corrente um grande amigo meu, Dom Gonzalo Fernandez de la Mora, que falava do “crepúsculo das ideologias crepusculares”.

 

Parece que não foi. Apesar das mudanças inesperadas promovidas pela tecnologia, importa saber se a ideologia ainda é importante ou se não interessa. Este é um problema central da Ciência Política e mesmo da prática politica, hoje reduzida a um pobre ‘marketing’ de promessas que valem o que valem. Mas as promessas parecem estar assumidas por partidos que defendem uma ideologia que ninguém sabe qual é.

 

Podemos hoje honestamente perguntar o seguinte: o que é, em que consiste o socialismo português? É esta salganhada que temos visto misturada com enriquecimentos? Ou é outra coisa que não nos foi dita? O que é isso de social-democracia (termo que equivale a comunismo radical e que usavam os comunistas germânicos a tempos da velhota Rosa Luxemburgo, que desenvolveu o conceito)? Terão noção os PSD que isto é assim? Ou pretendem rever a história e repentinamente acordaram para uma nova realidade em que a velhota não está, nem escreveu sobre o assunto? Eles não percebem que devem ter lições sobre o pensamento dos seus pais fundadores, o seu mestre Ebenstein, um judeu útil, para perceber a revolução adiada e o compromisso a prazo para a instalação da sociedade justa, que é pura ideologia? A ideologia morreu ou foi esquecida e utilizada de outro modo, em outras versões, como avisou Vilfredo Pareto?

 

Observando com isenção os partidos na arena política permitida (diz-se oligarquia de partido ou monopólio da política), só o PCP tem uma ideologia linear cujas raízes assentam no mais saudável estalinismo. Dispensam as dúvidas do próprio Lenine, porque a escrita é vasta e abarca vários volumes indigeríveis por humanos inteligentes e não inteligentes, de modo que as coisas têm que se passar ao nível do slogan da propaganda bastarda. Aqui também ninguém tem capacidade para ler os seus fundadores. Têm manuais. Mas eles não explicam as controvérsias que fizeram evoluir a doutrina. Tenho saudades das vendas de livros na Amadora, da Editorial Mir de Moscovo. Barato e seguro. Lia-se o que era o pensamento autêntico dos velhos fósseis, mas conhecia-se o que pensavam. Pacheco Pereira poderia dar lições sobre estas matérias, em companhia de Guterres e de outros distintos senhores desta terra de dores e agonia. Do tempo do chamado “Renegado Vilar”, há histórias sobre as hesitações de toda esta gente de esquerda face a um partido marxista-leninista e que valeria a pena escrever, para vergonha dos senhores alçados com a ideologia e que depois virão dizer que ela significa pouco. Interessará sim a técnica e a produtividade no futuro utópico. Vindos donde vêm?

 

Dizia-se que quem não muda de ideias é como quem não muda de vestuário. Chega a um momento que cheira mal. Eles souberam manter o bom odor Pierre Cardin ou Kelvin Klein.

 

Se a finalidade não fosse abolir a política e excluir dela os chamados “não profissionais”, compreenderia perfeitamente o problema. Mas a questão dos profissionais é que não têm consciência e foram descritos pelos especialistas como carreiristas impiedosos, do pior nível moral, medíocres de origem, pessoas que se dedicaram à política porque no fundo não sabiam fazer mais nada. As suas conquistas financeiras são o melhor enlevo. Vêm do “pé rapado” e isto é que melhor os define: desfrutar dos bens do Estado como se fossem donos ou rendeiros poderosos é uma tentação incontornável. E andam eles tontos e embriagados desse nevoeiro que só desvia os imbecis e os puros ambiciosos sem ideologia.

 

Como desafiou Medina Carreira oportunamente: quem terá uma solução para o problema de Portugal? Ninguém a adiantou. Creio que o problema continua a ser ideológico e mesmo assim ainda não económico, porque este se submeterá à ideologia.

 

Antes de mais, torna-se necessário entender que o problema do país é de ter ou não uma visão sobre si próprio. É o de não ter uma  Weltanschauung, uma Világnézet, uma  Medevastonum  ou uma Mrovozzrenye  como na Rússia. É o que leva um autor inteligente do Desenvolvimento Económico a entender que as coisas até vão bem no ambiente catastrófico que se vive, ainda que muito realista na escola que lhe cabe por herança. Todavia, ninguém percebe que Portugal não passa de uma ideia histórica de que poucos participam activa e entusiasticamente. Não há Mundovisão e os partidos carecem de ideologia. Fica tudo dito.

 

Talvez o assunto esteja em reformulação e o revivalismo das ideologias ainda fecunde uma terra dura e um povo subjugado e, pelos vistos,  com um grande futuro no futura da Economia. Para que fique, o Professor Irving Kristol, dizendo que os seus amigos lamentavam a ideologização da política nos USA, escreveu entretanto este trecho: “Nesta época, os partidos conservadores devem desenvolver uma clara identidade  ideológica”, apesar de perceber que a sociedade de direita era adversa das ideologias. Torna-se claro que hoje se defronta o mesmo problema de há 40 anos, quando Kristol escreveu o texto no “Wall Street Journal”.

 

Mas dirão todos: quem era esse imbecil do Kristol? Era bom fazer uma busca sobre este grande ideólogo dos conservadores americanos.

 

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