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O amigo americano: Rui Mateus, o homem que sabe demais

António Pina do Amaral

  

Na semana passada perguntava-se aqui que era feito de Rui Mateus e porque nada acontecera após o livro que escreveu. Perceber o mistério passa não só por estar a par dos escândalos de Macau, mas também do lado oculto de uma história ainda por contar.

 

Lê-se o livro do socialista Rui (Fernando Pereira) Mateus e dá-se logo conta das referências que nele se contêm à Central Intelligence Agency, os serviços de informações no exterior do Governo dos EUA. Ele sabe do que está a falar. Vê-se que a literatura sobre espionagem faz parte das suas preferências. Até aqui, ainda pertencia ao historiador José Freire Antunes o melhor palmarés das revelações sobre a CIA em Portugal. Os seus dois livros da série ‘Os Americanos e Portugal’ foram recebidos com frieza nos meios ligados ao PS.

 

A sua revelação mais escandalosa e controversa tinha então a ver com as alegadas ligações objectivas da CIA a Mário Soares. O caso causaria sensação mas lentamente cairia no olvido. Antes dele, só o PCP se tinha dedicado ao assunto em geral, através de uma publicação organizada por Ruben de Carvalho que hoje é já uma raridade bibliográfica. Mas com o contributo de Rui Mateus há um filão que se abre, pejado de tantos detalhes de conhecimento pessoal que vai ser difícil aos visados rebaterem as imputações.

O interesse da CIA por Portugal não nasceu com o 25 de Abril, embora seja certo que a Revolução dos cravos apanhou os serviços da Agência completamente de surpresa. O lento esboroar do empenhamento da Agência na situação portuguesa veio a estar na origem no seu falhanço em prever o golpe do MFA.

 

Deposto Caetano, os comunistas tomaram a iniciativa. O primeiro 1º de Maio em liberdade marcou o início do PREC e a ascensão da influência soviética em Portugal. E então os americanos despertaram. E com eles a CIA, como o viria a reconhecer o próprio Director da Agência, William Colby.

 

No final de 1974 debatiam-se em Washington duas filosofias quanto ao caso português. A mais extremista era encabeçada pelo Secretário de Estado Henry Kissinger, para quem Portugal era um caso perdido e deveria funcionar como uma vacina, para imunizar outros países da Europa quanto a veleidades de se renderem aos encantos do socialismo revolucionário. Mas outros patrocinavam uma orientação diferente, de cunho intervencionista, por não terem perdido a esperança em contra-operarem uma mudança no curso do PREC. Entre eles destacou-se o general Vernon Walters, responsável pela indigitação de Frank Carlucci III como o novo Embaixador em Lisboa.

 

Mateus encontrar-se-ia com aquele em 1986.

 

Carlucci viria a ter um papel decisivo no apoio americano a todas as forças políticas que tinham real capacidade de enfrentarem a influência comunista no País. Chega a Lisboa em Janeiro de 1975. Sairia em 1978. No entretanto faz o que pode pelo combate anticomunista. E terá feito muito.

 

No campo partidário, o PS viria a ser o grande beneficiário dos apoios do Tio Sam, alguns chegados através da intermediação inglesa. Apoios que integrariam a vertente financeira mas igualmente ofensivos para fazer face a emergências como as que se viveram nesse Verão Quente.

 

Vinte anos depois dos acontecimentos, Mateus vem pretender reconstituir esse passado.

 

Neste particular, o seu livro é uma caixa de surpresas. Ele é o nome do homem da CIA destacado para seguir as actividades do PS, que é revelado ser Richard Melton, cabendo a Charles Thomas monitorar o PPD. Ele é a afirmação de que coube a Bernardino Gomes  - o chefe de gabinete de Mário Soares - e a Vítor da Cunha Rego - que desempenharia o cargo de Secretário de Estado da Presidência - os contactos entre o PS e a Agência. Ele é também a revelação de que para a própria Editora Perspectivas e Realidades - a que esteve ligado João Soares, o filho do Presidente - havia um “contacto americano”, na pessoa de um operacional das acções clandestinas da CIA, sendo por isso mesmo interessante a coincidência de a Cooperativa titular da editorial ter estado instalada num prédio onde antes havia estado a ITT. Ele é, enfim, a menção das relações privilegiadas de alguns militares do Grupo dos Nove com o Embaixador Carlucci.

 

O grande visado, no entanto, por esse livro demolidor é, como era aliás de esperar, Mário Soares. Em relação ao Presidente, o livro é um verdadeiro cilindro compressor, o elenco de acusações é politicamente grave e passam por colaboracionismo com todos os azimutes, primeiro em favor da causa soviética, mais tarde em favor dos interesses americanos e da CIA em particular.

 

O primeiro Soares era, para Mateus, tipicamente vermelho. Assim, quando do primeiro Governo Provisório, Soares não daria, segundo Mateus garantias de tranquilidade aos governos aliados e à NATO, os quais só confiariam de modo suficiente no general Spínola, primeiro Presidente da República após o 25 de Abril. Depois, já Ministro dos Negócios Estrangeiros, teria feito um périplo destinado a convencer os dirigentes ocidentais de que os comunistas iriam estar no Governo, ante a consabida má recepção que tal iria despertar junto desses círculos. Mateus insinua, aliás, que a própria presença de Cunhal no primeiro governo provisório teria sido obra da persuasão de Soares, dado o proverbial anticomunismo de Spínola.

 

Mateus colecciona aliás no livro referências múltiplas a situações ambíguas a partir das quais se projecta sobre Soares a suspeita de colaboracionismo com a causa de Moscovo. Uma das situações teria a ver com o amigo alemão, mein Freund Willy Brandt, um dos grandes apoios a Mário Soares durante os tempos difíceis da Oposição e da Acção Socialista

 

Só que, coincidência irónica, exactamente no dia 24 de Abril, Brandt havia sofrido um dos mais duros revezes na sua carreira, ao ver prender pelos serviços da contra espionagem o seu colaborador mais próximo, Günter Guillaume, acusado de, durante anos, ter sido uma infiltração leste-alemã e um poderoso agente de influência em favor dos interesses estratégicos de Moscovo. O chanceler, já então olhado com suspeição nos meios americanos pela sua Ost Politik, de abertura a Leste, viria a ficar agora completamente a descoberto. Em Maio pediria a demissão. Na euforia que se vivia então em Portugal, o evento passou despercebido. A Rui Mateus não.

 

O mesmo Soares teria consentido em que o PS tivesse sido financiado por fontes tão insólitas como Kadafi da Líbia, a quem teria escrito em Setembro de 1975 uma carta de respeitosa veneração, de que no livro se edita uma reprodução.

 

Finalmente, só após o assalto ao jornal ‘República’ Soares entraria “no bom caminho” e aceitaria a intervenção americana. Mateus não perde a oportunidade para comentar que não “perceberia (…) qual a razão pela qual Mário Soares sempre foi tão sensível aos seus contactos com a CIA”.

 

É por causa disso que Mateus acusa Soares, chefe do primeiro Governo Constitucional, de seguidismo em relação às posições da Agência no que respeita ao dossier Angola.

 

Enfim, segundo Mateus, não só a CIA estaria com Soares - isso já o tinha afirmado Freire Antunes - como Soares teria estado com a CIA. Mas, aparentemente, não só Soares.

 

Fica claro face ao livro que a própria génese da UGT - a central sindical alternativa à CGT/Intersindical - foi, segundo ele, uma criação americana e nomeadamente da CIA, uma vez mais com a intermediação de Mário Soares.

É que, de novo citando, o interesse da CIA em Soares, “que vinha já dos anos setenta”, seria mantido em Paris precisamente através de Irving Brown, então representante na capital francesa da American Federation of Labour/Congress of Industrial Organisations e “principal agente da CIA no Controlo da Confederação Europeia de Sindicatos Livres”.

 

Irving Brown e Michael Boggs - dois homens “conotados com as actividades dos serviços secretos americanos”  - chegariam aliás a Portugal precisamente em Maio de 1975 e daí recomendariam ao governo americano a constituição de uma confederação sindical alternativa, ideia em cuja implantação teria papel decisivo Maldonado Gonelha, que desempenharia o cargo de Ministro do Trabalho.

 

O espectro da CIA perseguirá a figura de Soares ao longo de todo o livro. Mesmo na fase pré-presidencial, Soares candidato é dado como tendo pedido a Mateus que se encarregue de obter o apoio da CIA através de contacto com Skidmore. E a este propósito Rui Mateus lança uma das suas flechas mais envenenadas, na forma de uma pergunta.

 

Demos a palavra a Mateus: “Depois há toda a confusão por esclarecer à volta do escândalo da venda de armas ao Irão, que, dizem, passaria por Lisboa. Será que quando se soube que os americanos hesitaram em ajudar financeiramente o PS e a campanha de Mário Soares, o Governo abriu os olhos para as missões humanitárias, provocando em Langley algum agastamento?” E, como se já não bastasse esta insinuação, remata: “O recém-empossado governo de Cavaco Silva recusara autorização a esta operação e assim se explica o desesperado telefonema do homem da CIA em Lisboa, na manhã de 23 de Novembro, querendo falar com Mário Soares e fazendo promessas de que esse apoio seria bem visto em Washington”.

 

Eis Rui Mateus no seu melhor.

 

Mas há mais quem tenha motivos para recear. Ele é o homem que sabe demais: na noite de 11 de Março, Otelo Saraiva de Carvalho, o major comandante do COPCON, avisa o Embaixador americano Frank Carlluci de que não se responsabilizará pela sua segurança. Para bom entendedor, o recado estava dado. Só que, Mateus dixit, Carlucci convida Otelo para “um encontro na Embaixada”. A partir daí Otelo fica de “boas relações” com ele. Que conversa teria sido essa que dera azo a tal mudança de atitude do jovem revolucionário graduado em General? A História o revelará. Neste particular, o livro de Ruben de Carvalho é interessante. Reporta esse contacto como tendo sido na forma de um telefonema. Mas diz que, após ele, Carlucci haveria ficado com “inteira confiança em que o brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho e o Governo de Portugal são capazes e têm a intenção de assegurar a minha segurança”.

 

Há mais pessoas paradas do que a trabalhar

O número é surpreendente. Pela primeira vez na história do País há mais pessoas sem fazer nada do que a trabalhar. O cenário pode provocar a ruptura das contas do Estado.

 

Em Portugal, desde Outubro, há mais pessoas paradas do que a trabalhar. Segundo números divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística, e cruzando-os com os números oficiais do desemprego, existem apenas 4 913 500 portugueses que trabalham, contra 5 179 700 que estão inactivos. Entre estes últimos estão estudantes, pensionistas, donas de casa e quase 700 mil pessoas desempregadas, numa taxa de desemprego que chega quase aos 12 por cento.

 

Os desempregados à procura de emprego há menos de um ano, cujo número aumentou 34,6 por cento (74,7 mil indivíduos), engrossam estas fileiras, ainda que o número dos que  procuram emprego há um e mais anos tenha  aumentado menos, numa taxa de 18,5 por cento (o que corresponde a 39,6 mil).

 

Já no 3º trimestre de 2009, o aumento do desemprego revela-se mais demolidor para os homens, principalmente acima dos 45 anos. São trabalhadores pouco especializados ou, então, empregados de grandes fábricas que acabaram por falir. Afectados estão também os indivíduos com nível de escolaridade correspondente ao ensino obrigatório, à procura de novo emprego, sobretudo os provenientes da indústria, construção, energia e água, e à procura de emprego há menos de um ano – trabalham muitas vezes por biscates, a recibos verdes ou com contratos a prazo.

 

A população desempregada em Portugal era estimada em 547,7 mil pessoas no 3º trimestre de 2009, mas os números reais dão por certo que, pelo menos, 652 mil portugueses estão inactivos mas dentro do quadro de população considerada apta para trabalhar. Esta taxa verificou um acréscimo homólogo de 26,3% em relação a 2008.

 

Custo de 21 mil milhões

 

O pagamento de subsídio de desemprego custa a Portugal, por ano, 21 mil milhões de euros – mais do que qualquer mega-obra prevista até 2020, como o TGV, o novo Aeroporto e a nova ponte de Lisboa. Este número pode aumentar ainda mais caso o governo decida estender o prazo em que os portugueses têm direito ao subsídio. Os casos mais graves estão, neste momento, a atingir as populações das regiões interiores. Algarve e Alentejo, por exemplo, registam taxas de desocupação acima dos 50 por cento da população residente. Na Beira Interior o caso é semelhante, sem que haja investimentos quer de privados, quer do Estado.

 

OCDE prevê recuperação só em 2011

 

Um recente relatório da OCDE avisa que o cenário deve continuar negro no próximo ano. O estudo indica que os valores de desemprego vão subir aos nove por cento já no ano que vem – o que pode projectar a taxa real para perto do 14 por cento – e só em 2011 é que deve descer. Para a OCDE, a melhor taxa de 2011 deve rondar os 8,8 por cento. Este número é semelhante ao cenário vivido hoje.


O investimento estrangeiro em Portugal e o aumento das exportações são caminhos apontados para fazer melhorar a situação. O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, pede rapidamente um “aumento do sector produtivo de bens, que possam ser transaccionáveis nos mercados internacionais”. Já o primeiro-ministro José Sócrates, numa visita a uma fábrica de componentes eléctricos, este fim-de-semana, disse em declarações à saída que “a palavra de ordem é exportar, exportar, exportar”. Se estão de acordo com o caminho a seguir, os dois titulares públicos sabem também que a recuperação económica do País não dá resultados imediatos. Basílio Horta, presidente da  AICEP, confia-nos a sua opinião sobre o assunto: "Creio que durante algum tempo teremos de nos habituar a taxas que não eram habituais, até porque o crescimento económico tem um efeito desfasado no tempo em relação ao aumento do emprego", explicou.

 

Sócrates, no entanto, mostra-se mais optimista: “Tenho a convicção de que, à medida que a recuperação da economia prossiga, possa ter finalmente efeitos no desemprego, que ainda não se começaram a fazer sentir, mas que espero que se façam sentir em 2010”. Mesmo assim, o primeiro-ministro sabe que a falta de emprego preocupa quase todas as famílias. Por isso, promete dar dinheiro a quem não trabalha: “Num momento em que o desemprego sobe em todo o mundo, a mensagem que eu tenho para os portugueses é que não deixaremos os desempregados sozinhos, que tudo faremos para desenvolver os mecanismos sociais que permitam acompanhar essas pessoas e que permitam ao estado desenvolver actividades necessárias para que essas pessoas possam recuperar o emprego”.

 

Há dias, a ministra do Trabalho, Helena André, mostrou-se surpreendida com os números reais de desempregados em Portugal. Teresa Caeiro, deputada do CDS, respondeu-lhe: “Quando acordar da surpresa, o Governo terá de deixar de agir como o 'Rei Pasmado', perante uma realidade que está a dilacerar o nosso país”.

50 mil milhões desaparecidos: Europa investiga Estado português suspeito de fraude

A Unidade de Combate à Fraude da União Europeia contratou peritos externos para investigar o paradeiro de 50 mil milhões de fundos que aterraram em Lisboa mas ninguém sabe onde param.

 

Peritos em finanças públicas estiveram em Portugal nos últimos meses, a mando da união Europeia, à procura do destino de mais de 50 mil milhões de euros em fundos estruturais que Portugal recebeu desde o ano 2000, mas que agora ninguém parece saber onde foram aplicados – se é que o foram. Para a Comissão Europeia o que está em causa, sabe O Diabo, é que todo o dinheiro investido em quatro eixos fundamentais de desenvolvimento deviam ter dado frutos. Mas não deram e a CE quer agora saber o que foi feito ao dinheiro, entregue ao Estado para formação e desenvolvimento.

 

A primeira denúncia chegou ao Gabinete de Luta Anti Fraude da Comissão Europeia a 23 de Outubro de 2008. Documentos a que O Diabo teve acesso revelam que Stefan Zickgraf, director da Confederação Europeia das Associações de Pequenas e Médias Empresas assina uma carta reveladora de denúncias sobre a incapacidade de se saber onde está o dinheiro que Portugal recebeu durante o Terceiro Quadro Comunitário de Apoio, negociado por António Guterres e pelos socialistas, e que começou a ser aplicado em 2000. A denúncia da confederação europeia demorou apenas seis dias, depois daquele organismo ter recebido um relatório alarmante da Associação Nacional de PME de Portugal, onde são revelados dados sobre a aplicação do fundos.

 

A Comissão Europeia está agora a investigar os 18 programas operacionais que foram criados desde 2000 e aplicados até 2006 e que, segundo esses programas, serviam para colocar a economia portuguesa e os trabalhadores nacionais ao nível médio europeu. Mas a estratégia falhou e os programas não tiveram controlo, segundo se lê na denúncia, a que O Diabo também teve acesso. Os investigadores internacionais estão agora à procura dos 10 milhões de contos (cerca de 50 mil milhões de euros) que entraram em Portugal e foram distribuídos para quatro grandes eixos: 14 mil milhões para a qualificação e o emprego; 16 mil milhões para alterar o perfil produtivo do País; 5 mil milhões para “afirmar o valor do território e da posição geo-económica”; 15 mil milhões para o desenvolvimento sustentável das regiões mais pobres. Mas, quase dez anos depois, a Europa olha para o trabalho feito e não vê resultados. Perante estas denúncias e a estagnação do desenvolvimento, a Comissão Europeia levanta agora a hipótese dos dinheiros terem caído em mãos ilícitas.

 

Alertado para este facto também está o Tribunal de Contas. Num relatório de auditoria a que O Diabo teve acesso, o órgão estatal que vigia os dinheiros públicos, refere, em relação ao Sistema de Incentivos a Pequenas Iniciativas Empresariais, que não há controlo eficiente. Cita-se um documento oficial do Tribunal de Contas: “As contas de gerência das entidades gestoras e pagadoras dos incentivos do SIPIE – o IAPMEI e o IFT -, não individualizam, na receita, as verbas recebidas (do FEDER e do orçamento do Estado), para o financiamento do SIPIE e, na despesa, os correspondentes montantes de incentivos pagos, os quais estão integrados nos valores globais referentes aos vários sistemas de incentivos e instrumentos do POE, de que são também entidades pagadoras. Este sistema de gestão, em globo, das verbas do POE: a) não atende ao princípio da especificação orçamental, apesar dos elevados montantes em causa; b) não permite a análise da execução orçamental do SIPIE, isto é, da correspondência entre os montantes recebidos e os incentivos pagos, o que constitui uma limitação ao controlo”.

 

As palavras duras do Tribunal de Contas trouxeram já a Portugal uma especialista em fraudes e aplicações de fundos.

 

Desconfiar do Estado

 

Augusto Morais, presidente da ANPME-Associação Nacional das PME, recebeu há semanas a visita da inspectora delegada Anca Dumitrescu, enviada pela Comissão Europeia para investigar os fundos do EIP - Entrepreneurship and Innovation Programme; IEE - Intelligent Energy for Europe; e ICT - Information and Communication Technologies – programas financiados pela União Europeia. É a primeira vez que um organismo da União Europeia decide investigar directamente junto de entidades privadas, passando por cima dos organismos de controlo do Estado membro. Anca Dumitrescu é uma antiga auditora do Banco Mundial que agora é chamada a investigar a entrega de milhões de euros pelo Estado português a mais de 90 por cento das empresas nacionais.

 

Surpreendido pela visita da inspectora, Augusto Morais considera haver “uma fundada suspeita de sérias irregularidades e que o Tribunal de Contas deve investigar, com urgência, para não sermos apanhados pela Comissão Europeia em processos com apontamentos de corrupção, muito maiores do que o ‘Face Oculta’, onde não ficaremos muito bem. Aliás já somos conhecidos por sermos o parceiro europeu mais corrupto da UE a 27” – disse já o coordenador da Associação Nacional das PME a O Diabo. Morais adianta: “O que está em cima da mesa é a incapacidade do Estado em controlar para onde vai o dinheiro. Acredito que quando o ministério das Finanças e Economia decidem entregar o dinheiro para acções de formação ou para investigação, o façam com as melhores intenções. Mas depois ninguém controla o destino dessas verbas”.

 

A Associação Nacional de PME aponta o dedo aos parceiros sociais: “São quem recebe mais dinheiro do Estado para organizar acções de formação e desenvolvimento. Não é necessário um grande estudo para perceber que Portugal continua a ser o país menos qualificado em termos de mão-de-obra, produtividade e competitividade. Os ministros, desde Elisa Ferreira a Manuel Pinho, tiveram nas mãos muito dinheiro para contrariar estes dados, mas infelizmente as estatísticas continuam a traçar um padrão negro. Por isso, os empresários, os economistas e os analistas perguntam: onde foi gasto tanto dinheiro, se não teve resultado”.

 

PSD questiona governo

 

Entretanto, Paulo Rangel, líder da bancada do PSD no Parlamento Europeu, lançou esta semana sérias dúvidas sobre a aplicação dos fundos comunitários. Rangel estranha o silêncio do ministro da Economia, Vieira da Silva, sobre “a aplicação deficiente dos fundos comunitários”. O eurodeputado acusa o governante de estar “mais ocupado a comentar casos de actualidade judicial”, disparou, referindo-se ás declarações do ministro sobre o caso “Face Oculta”.

 

“A situação dos fundos comunitários é de tal forma grave que é impensável que a pessoa que tem a pasta do Quadro de Referência Estratégico Nacional não tenha dado uma palavra sobre isso”, disse Paulo Rangel.

 

Ainda este mês o Governo vai ter que devolver a Bruxelas mais de 270 mil euros mal aplicados nos Açores, depois de em 2002 ter havido uma queixa de uma empresária de S. Miguel à Comissão Europeia sobre o Sistema de Incentivos de Base Regional. O dinheiro, em vez de servir todos os empresários necessitados, terá sido distribuído em circuito fechado. A falta de legislação para avaliar estas situações e o contínuo recurso às entidades europeias implica que cada queixa demora, em média, seis anos e meio a ser investigada. Isto é, só em 2016, na melhor das hipóteses, se saberá o resultado às denúncias feitas entre 2008 e 2010.

 

Entretanto, segundo o último relatório do Tribunal de Contas Europeu, Portugal está envolvido em quatro casos de irregularidades, dois dos quais dizem respeito aos pagamentos efectuados para a expropriação de terras para a construção de SCUTs. Ao todo, o País pode ter que devolver à Comissão Europeia mais de 80 milhões de euros em consequência da má administração e aplicação dos fundos comunitários.

 

Há 15 dias, em Lisboa, o TCE admitiu que existem “inúmeras insuficiências” no controlo dos Estados membros à atribuição dos fundos comunitários. A culpa, admite o TCE, é dos mecanismos administrativos complexos, dos sistemas de controlo nacionais ineficazes, das bases de dados desactualizados, dos registos de superfícies desadequados – tudo isto dificulta o controlo pelas entidades supervisoras e provoca a atribuição indevida de verbas.

 

O presidente do Tribunal de Contas Europeu, Vitor Caldeira, admite que “o Fundo de Coesão da União Europeia representa a área mais afectada por erros”, em que “os sistemas de controlo nos Estados membros são apenas parcialmente eficazes na correcção dos pagamentos irregulares detectados pelos controlos nacionais”. Em 2008, a percentagem de erros levou a um gasto supérfluo e irregular de 4,6 mil milhões de euros só no Fundo de Coesão. As verbas erradas da agricultura, por exemplo, estão ainda com pior controlo, sem se saber quem recebe o quê para quê. Ao todo, cerca de 11 por cento do dinheiro que a Comissão transforma em subsídios e programas deve ser desperdiçado.

 

À falta de melhor, Ferreira Leite pode ter de continuar líder do PSD

Paulo Rangel está entalado:  o “professor” mostra-se cada vez mais renitente em correr e Passos Coelho não chega a metade dos votos. Os sociais-democratas arriscam-se a continuar com Manuela mais um ano.

 

As contas estão difíceis no partido da São Caetano à Lapa. Marcelo Rebelo de Sousa voltou a dizer que não é nem será candidato à liderança do PSD, a não ser que seja candidato único. O professor admitiu já, em círculo interno, que até admitia ter algumas figuras da candidatura de Passos Coelho consigo, mas não se quer meter numa campanha eleitoral que fragilize a já parca imagem do partido. Na noite de domingo, no seu comentário semanal, Marcelo franziu o sobrolho e respondeu, ríspido e enfadado: “Não sou nem serei candidato à liderança do PSD”. Esta frase, no entanto, lembra outra de há uns anos atrás:  que só seria candidato à liderança do PSD se Cristo descesse à Terra. Foi candidato e ganhou, apesar de Cristo, aparentemente, não ter regressado. Agora, os seus apoiantes acreditam mesmo que não há hipóteses de convencer o professor e já começaram a pressionar Paulo Rangel para concorrer contra Pedro Passos Coelho.

 

Paulo Rangel, que se retirou da corrida mesmo antes de esta começar, segundo revelações suas no programa Gato Fedorento, é a única esperança dos cavaquistas e apoiantes de Manuela Ferreira Leite. O seu capital político pode obrigar a uma votação renhida dentro do partido. Rangel, que está em Bruxelas, longe das implicações políticas nacionais, tem sido um apoiante de Marcelo. “Eu desejo Marcelo Rebelo de Sousa como líder do PSD”, confessou há dias numa conversa em Bruxelas. O mesmo já tinha dito em Lisboa, quando entrevistado pela RTP. Mas ultimamente, alguns sociais-democratas, confrontados com um Marcelo que tanto diz que sim como não, viraram-se para Rangel. O objectivo é responder às críticas de Passos Coelho e seus apoiantes. A semana passada, nestas páginas, Miguel Relvas rejeitava “uma eleição que fosse um regresso ao passado”. Compreendendo que Marcelo e Marques Mendes, por exemplo, seriam nomes atingidos por este argumento, alguns activos militantes voltaram-se para Rangel. No entanto, O Diabo sabe que o eurodeputado tem rejeitado a ideia junto de colaboradores e amigos, convencido de que este ainda não é o seu “tempo”.

 

Entretanto, a reeleição de Marco António Costa no Porto garantiu mais apoios a Passos Coelho. O renovado líder da distrital invicta parece ter em mente um plano estratégico para a negociação de apoios a Passos Coelho, em troca de lugares na direcção do partido. Mas Marco António não rejeitaria, também, um negócio com Marcelo ou Rangel. Pior: o próprio admite lançar-se numa candidatura à presidência do partido, caso não se reveja em nenhuma candidatura apresentada.

 

Lisboa discute liderança

Carlos Carreiras, que esteve com Ferreira Leite, não deve ser o único candidato às eleições para líder distrital. Jorge Bacelar Gouveia, próximo de Pedro Santana Lopes, também vai candidatar-se ao lugar, aproveitando o facto de Carreiras e Leite terem rompido o bom entendimento que mantinham. Carlos Carreiras esteve contra a inclusão de António Preto e Helena Lopes da Costa nas listas para deputados por parte da direcção do partido. Agora, corre sem o apoio de qualquer notável, o que é fatal para qualquer candidato à liderança da distrital de Lisboa. Bacelar Gouveia tem a seu lado os apoiantes de Santana Lopes e a neutralidade dos barões lisboetas, como Ferreira Leite ou Pacheco Pereira. Recorde-se que estes últimos, tal como António Preto, foram líderes da distrital do PSD na capital.

 

A vitória de Bacelar Gouveia pode vir a mudar o sentido de voto de Lisboa na eleição para líder. Se Carreiras seria favorável à ideia da renovação com Passos Coelho, não se conhece a Bacelar inclinação por qualquer candidato. Mas com Santana Lopes de boas relações com Ferreira Leite, pode ser possível que Gouveia aceite apoiar Marcelo ou Rangel, em detrimento de Passos.

 

Entretanto, todas as vozes do PSD parecem afinar pelo mesmo pedido: as eleições directas não podem esperar pelo Orçamento de Estado de 2010, que apenas deve ser aprovado em Março do próximo ano. Santana Lopes, Marcelo Rebelo de Sousa e Marco António Costa foram apenas três de muitas pessoas que desejam ver Manuela Ferreira Leite sair antes de Março, o mais tardar em Janeiro, para que o novo líder tenha condições de assumir o partido antes do Verão.

 

Porém, caso nenhum candidato apareça a combater Passos Coelho, o PSD pode ter que arrastar o processo eleitoral para ver se convence um retardatário credível. Em última instância, Manuela Ferreira Leite pode mesmo ter que ir a votos contra Passos Coelho, caso a direcção assim o exija – e isto se nem sequer Aguiar Branco estiver para enfrentar o jovem social-democrata.

Relatório europeu alerta: Novas barragens podem ser uma inutilidade muito cara

O relatório da Comissão Europeia é peremptório: o Programa Nacional de Barragens é um disparate e custa milhões. O contribuinte vai pagá-lo agora e arrisca-se a ter que assumir mais tarde as sanções europeias.

 

A Comissão Europeia encomendou uma peritagem a uma entidade independente e o relatório final é taxativo: “se Portugal fizer todas as barragens previstas, não vai conseguir cumprir a legislação europeia sobre a qualidade da água”. A directiva Quadro da Água é bem clara: os estados membros da União Europeia têm de atingir índices comunitários de qualidade das águas antes de 2015. O documento revela que o Estado português avaliou mal os impactos e a verdadeira necessidade das barragens. Até agora já foram adjudicadas sete de dez novas barragens, como a de Foz-Tua, que vai inundar dezasseis quilómetros da muito turística via-férrea que serve aquelas paragens.

 

O relatório europeu não poupa o governo de José Sócrates, que “omitiu” as consequências ambientais negativas originadas pela construção das barragens. Os especialistas europeus mostram, “preto no branco”, que o actual Programa das Barragens está mal concebido e que representa um gasto inútil de milhões de euros para o contribuinte. Para a Comissão Europeia, as consequências de cada barragem na qualidade da água foram analisadas de uma forma “ligeira” e o balanço do impacto global do Programa foi menosprezado. Resultado, bem expresso no relatório, “não se compreende a decisão do Estado português”. Isto é: o Programa Nacional de Barragens contraria claramente os objectivos expressos nas directivas comunitárias e, também neste domínio, o Estado português e os contribuintes serão financeiramente penalizados, se os resultados impostos até 2015 não forem alcançados.

 

A questão levantada pela Europa resume-se de forma pragmática: “de que serve construir mais barragens, em nome da retenção, se as condições de construção das previstas mais não farão do que criar outros tantos reservatórios de água deteriorada”.

 

O Instituto da Democracia Portuguesa (IDP) foi quem tem vindo a alertar para a situação: “o país sabe agora que a Avaliação Ambiental Estratégica do Plano Nacional de Barragens omitiu propositadamente o tratamento de factores críticos, tais como a qualidade da água, a perda de biodiversidade e também o impacto das alterações climáticas”. O IDP faz notar que o relatório comunitário acentua erros de cálculo “inadmissíveis”.

 

Várias associações ambientalistas já se tinham oposto ao Programa. A Quercus defende que, face a este estudo, o Governo “deve suspender de imediato o Programa Nacional de Barragens e todos os procedimentos administrativos e obras no terreno conducentes à construção das mesmas”, em especial no que toca à Barragem de Foz Tua. E ainda que “a própria Barragem do Baixo Sabor, deixada propositadamente fora deste programa”, deve ser incluída no mesmo e reavaliada “à luz dos critérios e constatações que o estudo da Comissão Europeia (CE) refere”.

 

Os ambientalistas têm considerado que o Programa Nacional de Barragens é globalmente desfavorável ao desenvolvimento do país e à protecção dos valores ambientais e culturais, “com atropelos à legislação existente em relação ao planeamento e conservação dos recursos hídricos e da biodiversidade”. Também criticam não ter sido efectuado um estudo custo-benefício e de impacto ambiental entre a opção retida pelo Governo e outras fontes de energia renovável como, por exemplo, a eólica off-shore (no mar).

 

As organizações defensoras do ambiente protestam por também não terem sido contabilizadas as emissões de CO2 associadas a todo o ciclo de vida das barragens, nem levadas em conta as conclusões do Painel Inter-Governamental para as Alterações Climáticas da ONU (IPCC), que prevê uma quebra de 20 a 50 por cento da produção hidroeléctrica na Península Ibérica até 2070, devido ao aquecimento global.

 

O Partido Ecologista Os Verdes, por seu turno, exigiu na Assembleia da República a suspensão de todo o plano. “O Governo nunca se debruçou sobre esta matéria”, denuncia a deputada “verde” Heloísa Apolónia, defendendo que a intenção é apenas produzir mais, quando Portugal já tem “equipamentos suficientes”. Valendo-se das conclusões do relatório europeu afirma que “estas dez barragens não vão servir para mais que três por cento da produção de electricidade nacional”.

 

Falando pelo partido no poder, o PS, o deputado Jorge Seguro desvaloriza o estudo “que foi encomendado pelos serviços da CE a uma empresa belga, que também tem alguns técnicos espanhóis”, mantendo que, em questões de ambiente, “a bancada do PS teve na anterior legislatura uma atitude muito conscienciosa”.

 

A Liga Portuguesa da Natureza, pela voz de Eugénio Sequeira, também tem opinião negativa: “este plano não faz sentido e na altura do debate público dissemos isso mesmo. Existem muitas dúvidas sobre se a produção de energia através da construção de novas barragens tem mais benefícios do que inconvenientes. Isto porque não tem em conta questões como a influência na qualidade da água ou a erosão da costa”. “Sem se saber se o metano produzido compensa o investimento, o Estado nunca irá abdicar de uma barragem depois de construída, até porque a adjudicação está feita. Resta saber se, tal como estão os caudais, haverá água para tanta barragem. A solução? Aproveitar melhor as que existem, fazer estudos independentes e evitar novas construções”, alerta o especialista.

 

Mas o Governo defende que as novas barragens vão reduzir a nossa dependência e fragilidade em termos energéticos e de emissões de CO2, reforçar o potencial hídrico de 46 para 70 por cento, complementar a produção de energia eólica, criar empregos e desenvolver o comércio e turismo locais.

 

INAG reconhece impactos ambientais

 

O acutilante relatório comunitário foi elaborado por uma empresa espanhola, envolve técnicos de vários países – incluindo um português –, e é do conhecimento do Ministério do Ambiente desde Julho, mas só agora foi revelado, depois de tornado público pela SIC.

 

Orlando Borges, presidente do Instituto da Água (INAG), justifica o atraso na divulgação das conclusões da peritagem, porque se “trata de um documento pedido pela Comissão Europeia e, por isso, não é ao Governo português que compete divulgá-lo”.

 

O presidente do INAG não nega que a construção de barragens terá consequências ambientais negativas, mas garante que os dez locais escolhidos (dos 25 que tinham sido seleccionados inicialmente) são os que têm “menores impactos” e em que “as contrapartidas esperadas os superam em grande parte”. Quanto às falhas apontadas, garante que serão avaliadas em sede dos estudos de impacto ambiental (que estão em elaboração) e que, “no limite, se houver alguma directiva ou normativa comunitária que esteja a ser violada, o projecto será corrigido ou não será feito”. Orlando Borges afirma ainda que Portugal está a preparar uma resposta a Bruxelas, mas garantiu que “este relatório não vai mudar em nada a programação do que está estabelecido”.

 

Em defesa do programa de Governo está ainda a EDP. Em comunicado, defendeu que o Plano Nacional de Barragens não deve ser posto em causa pelo relatório encomendado por Bruxelas para avaliar o alargamento do sistema hidroeléctrico português.

 

A fornecedora nacional de electricidade ­­– que ganhou a construção de três das sete barragens já atribuídas –, afirma que o processo é sólido e que o relatório dos peritos europeus não vai pôr em causa a sua execução. António Neves de Carvalho, responsável nacional da distribuidora eléctrica para a área da sustentabilidade e ambiente diz que as críticas europeias não fazem a empresa temer que o processo tenha de voltar à estaca zero.

 

O responsável da EDP contesta também a advertência do relatório sobre as novas barragens colocarem em risco o cumprimento, por parte de Portugal, da directiva europeia sobre a qualidade da água, que deve ser cumprida até 2015, e mantêm que as novas infra-estruturas vão ajudar a alcançar esse objectivo e que tudo não passa de “uma grande dose de equívocos entre Lisboa e Bruxelas”.

Camarate: CDS e Freitas forçam novo inquérito

PSD e CDS desejam continuar o trabalho de Nuno Melo no Parlamento. Entretanto, o autor confesso da bomba e o operacional Farinha Simões continuam em contacto. O principal suspeito, Lee Rodrigues, está a monte.

 

Vinte e nove anos depois da queda do avião Cessna, em Camarate, que vitimou o primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro e o ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa, o PSD e o CDS querem reabrir o inquérito parlamentar à misteriosa morte dos dois governantes e de suas companheiras.

 

Freitas do Amaral, que assumiu a chefia do Governo depois da morte de Sá Carneiro, vem agora pedir à Assembleia da República que retome as investigações: “Há três questões que não foram investigadas até ao fim e estas devem ser retomadas pela Assembleia da República”. Para o antigo governante e presidente do CDS,  o relatório dos peritos internacionais sobre os equipamentos técnicos do avião e explosivos, a investigação da venda de armas, em 1979-80, e do Fundo de Defesa Militar estão por esclarecer. Em declarações públicas no passado mês Freitas diz ainda que a falta de conclusões judiciais representa “uma nódoa na credibilidade e na seriedade do Estado português”, e defende que o Parlamento “é a única instituição que, através de sucessivas comissões parlamentares de inquérito, foi aprofundando as investigações” e que encontrou “indícios muito fortes para haver atentado”.

 

A mesma tese é defendida por Nuno Melo. Em declarações a O Diabo o antigo presidente da Comissão de Inquérito e agora eurodeputado do CDS defende que “o trabalho que está feito pode e deve servir de base a uma nova comissão”. Melo está convencido de que “é possível apurar a verdade” ou, pelo menos, “encontrar respostas” concretas às dúvidas expressas também por Freitas do Amaral. Melo, no entanto, alerta: “Se em relação a Camarate já se descobriu quase tudo o que seria possível pela via parlamentar, questão diversa é o Fundo de Defesa do Ultramar”.

 

Um dos advogados das famílias, Ricardo Sá Fernandes, está convencido de que só com uma investigação a este fundo será possível descobrir o que levou à queda do Cessna. Sá Fernandes lamenta que a investigação à venda de armas simultânea ao Irão e Iraque, “que estava a ser investigada por Adelino Amaro da Costa à data da sua morte, esteja ainda por esclarecer”.

 

Esteves e Farinha Simões ainda se encontram

 

Outro dos indícios que não foi seguido é o relatório dos peritos internacionais, que encontrou provas de que um objecto incendiário foi colocado dentro do Cessna e que os membros inferiores dos pilotos mostravam resíduos metálicos estranhos ao corpo do avião. José Esteves, autor confesso da bomba incendiária que lhe foi encomendada para colocar no Cessna, diz que o seu engenho “foi alterado” e adianta estar “arrependido” de ter feito o que fez. “Se soubesse que era para atingir Adelino Amaro da Costa, nunca tinha preparado esse engenho”. A pequena bomba foi feita para detonar assim que o avião começasse a sua subida. Mas Esteves, em declarações em 2006, a última vez que falou sobre o caso, adiantou que “o engenho foi alterado”, pois o que montou na sua marquise não provocaria a queda do aparelho.

 

A bomba terá sido entregue a Farinha Simões, outro dos nomes também citado no processo. Simões está hoje detido em consequência de uma condenação por sequestro e violação de domicílio da jornalista Margarida Marante. Continua a afirmar a sua inocência neste caso, mas já admitiu ter participado com José Esteves na Operação Camarate. Ainda hoje os dois continuam a ser amigos, tal como documenta a foto que O Diabo publica nesta edição – um encontro entre estes antigos operacionais de segurança, no Algarve, enquanto degustavam uma sapateira à mesa de uma conhecida cervejaria – pouco antes de Farinha Simões ter sido preso.

 

Cid sem esperança

 

Entretanto, o cartunista e ilustrador Augusto Cid declara-se sem esperança na reabertura judicial do processo. “A Assembleia concluiu pela teses de atentado e dificilmente poderia haver acordo para retomar os trabalhos. Foi pena que nesta investigação não tivessem sido ouvidos os peritos estrangeiros, porque não houve tempo, com a queda do Governo [de Santana Lopes]”, disse.  O caso está agora nas mãos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e Cid vê, nessa última instância, alguma luz: “É aí que nós estamos à espera de uma decisão e de uma avaliação do que aconteceu aqui. Pode ser que com uma decisão positiva de Bruxelas venha a desencadear um outro processo de investigação”. 

 

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Kissinger e as armas

Frederico Duarte Carvalho, jornalista e investigador

 

O ex-secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger, tem de ser ouvido sobre Camarate. O testemunho desta importante figura internacional é obrigatório para esclarecer as informações que o ex-chefe de Gabinete de Adelino Amaro da Costa, coronel Hugo Rocha, transmitiu em audiência à porta fechada durante os trabalhos da VIII comissão de inquérito parlamentar, em 2004. São informações que vieram a público através do livro editado pela Assembleia da República, em 2005, que reunia o essencial de todas as comissões. E, em Maio de 2007, essas informações surgiram com mais detalhe na biografia que Hugo Rocha publicou um ano antes de falecer.

O livro “Recordações – Militar, Diplomata, Governante”, editado pela Prefácio, teve pouca cobertura jornalística. Uma busca pela Internet com o nome “coronel Hugo Rocha” e “Camarate” não revelará qualquer notícia arquivada nos endereços electrónicos dos órgãos de Comunicação Social nacionais. Afinal, o que diz Hugo Rocha sobre Kissinger e qual a importância deste último no mistério de Camarate?

Hugo Rocha revela que, a 2 de Outubro de 1980, dois meses antes de Camarate, houve uma reunião secreta entre Henry Kissinger e Adelino Amaro da Costa, no ministério da Defesa, ao Terreiro do Paço. Foi só a 26 de Novembro, uma semana antes de Camarate, que Adelino Amaro da Costa revelou ao coronel, numa reunião à porta fechada, o conteúdo da conversa com Kissinger: o negócio de armas para o Irão. Afinal, a conclusão que, em 2004, a VIII comissão de inquérito parlamentar, na altura presidida pelo actual eurodeputado centrista Nuno Melo, afirmava ser o provável móbil do atentado. Adelino Amaro da Costa proibira essa venda, mas, no dia seguinte à sua morte, foram enviadas armas de Portugal para o Irão.

Hugo Rocha quando revelou a reunião pela primeira vez na biografia acrescentou: “Este encontro, só agora descrito, reveste-se de importância histórica. Para bem das famílias das pessoas que morreram. Para bem da verdade. Para bem da Justiça. Para bem de Portugal”.

Com este pensamento na mente e como também estou a preparar um livro sobre Camarate, entrei recentemente em contacto com Henry Kissinger. Telefonei para o seu gabinete em Nova Iorque, falei com a secretária que me pediu que enviasse um e-mail a explicar o assunto, elaborei a missiva explicativa, traduzi as palavras de Hugo Rocha – anexei a cópia das páginas em causa - e fiz três perguntas que, fundamentalmente, pediam a confirmação da reunião em Lisboa, a 2 de Outubro de 1980, o teor da mesma e, por fim, um comentário ao caso para que se fizesse verdade histórica sobre o assunto. A resposta veio pouco tempo depois via e-mail: a secretária comunicava-me que o Dr. Kissinger apreciava a minha consideração pela sua pessoa, mas estava “indisponível” para participar numa entrevista sobre o caso.

Se Kissinger já tem em Van Rompuy a pessoa a quem telefonar quando quiser falar com a Europa, se um dia quiser falar sobre Camarate, tem igualmente agora o meu número de telemóvel…

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