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Jornal O Diabo

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Quando acabámos com o Muro da Vergonha

Hugo Navarro

 

O derrube do Muro de Berlim, há 20 anos, simbolizou o desmoronamento do império soviético e o fim do comunismo europeu. Importa não esquecer o que foi esse regime de terror.

 

Completam-se no próximo dia 9 de Novembro vinte anos sobre o início do derrube do Muro de Berlim, a cerca de betão e arame farpado que durante quase três décadas enclausurou os berlinenses e impediu a fuga de "cidadãos do Leste" para o Ocidente. Podemos festejar o derrube do Muro como símbolo da queda do comunismo de inspiração soviética. Mas devemos igualmente preservar a memória do que foi esse regime odioso, honrando as suas vítimas. Para que não se repita.

 

O Muro foi um instrumento típico do período da Guerra Fria, a "entente" belicosa que manteve dois mundos à beira de disparar, sem nunca o fazerem. Terminada a II Guerra Mundial, a emblemática cidade de Berlim fora dividida em quatro fatias, cada uma delas administrada por uma das potências vencedoras: Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e União Soviética. Em 1949, as três fatias "capitalistas" de Berlim foram integradas na República Federal Alemã (RFA), enquanto a fatia soviética era incorporada na República "Democrática" Alemã (DDR). Isolada no território comunista, Berlim Ocidental tornou-se um oásis de liberdade e terra de exílio para mais de dois milhões de alemães que fugiram do Leste e das "maravilhas" do "socialismo real".

 

Na madrugada de 13 de Agosto de 1961, inquietos com a debandada geral, os governantes da DDR decidem pôr fim à livre circulação, selando as fronteiras de Berlim Ocidental. Começava a construção do Muro. O traçado cego cortou ruas pelo meio, dividiu famílias e reforçou o clima de terror comunista em que viviam os chamados "cidadãos do Leste". Electrificados e vigiados dia e noite por 300 postos de controlo, os 66 quilómetros de Muro eram a imagem viva do campo de concentração em que o espaço do Pacto de Varsóvia se tinha transformado.

 

Ao longo de 28 anos, dezenas de pessoas (entre elas inúmeras crianças) foram mortas pelo exército comunista quando tentavam galgar o Muro e refugiar-se no lado ocidental. Milhares de fugitivos foram presos antes de conseguirem transpôr as valas que acompanhavam o Muro, caçados como coelhos por matilhas de cães atiçados pela soldadesca. Imagens pungentes, captadas a partir de prédios de Berlim Ocidental e difundidas pelas televisões do mundo livre, mostravam a crueldade com que eram tratados todos os que esboçavam um gesto de aproximação. O Muro de Berlim era o Muro da Vergonha.

 

Mas a Cortina de Ferro que descera sobre a Europa Central começava a enferrujar. Incapaz de manter o seu império continental sem recurso a meios repressivos cada vez mais dispendiosos, a braços com uma crise económica que nenhum Plano Quinquenal poderia superar (e com bolsas de fome em várias províncias orientais), exaurida pela fuga de talentos e acossada pelo descrédito internacional, a União Soviética aproximava-se do colapso.

 

Compreendeu-o Mikhail Gorbatchev, o antigo protegido de Andropov que em 1985 ascendeu à chefia do Partido Comunista e do governo soviético. Três anos bastaram para que Gorbatchev pudesse anunciar aos países do Pacto de Varsóvia o fim da tutela de Moscovo: cada um deles seguiria o seu caminho. Na Alemanha, onde o comunismo nunca gozara de qualquer popularidade, nem mesmo remota, o regime cairia ao primeiro sopro. Caiu com o ignominioso Muro, em 9 de Novembro de 1989. Um ano depois, o comunismo deixava de existir no espaço do que tinha sido o "bloco soviético".

 

O derrube do Muro de Berlim culminou um processo de meses, durante os quais grandes manifestações pela liberdade abalaram o governo comunista e prenunciaram o seu desmoronamento. Incapazes de conterem a onda leste-alemã, e numa última tentativa para manterem o controlo do poder, as autoridades anunciaram o fim das restrições de trânsito entre as duas zonas de Berlim. Às 11 da noite de 9 de Novembro, uma multidão em festa atravessou o posto fronteiriço da Bornholmer Straße e pôs fim a quase 30 anos de isolamento. Pela noite fora, e ao longo dos dias e semanas que se seguiram, largos milhares de berlinenses, do Leste e do Oeste, acompanhados por militantes anti-comunistas que chegavam de todo o mundo, foram demolindo com as suas mãos o Muro da Vergonha. Pedaços de betão eram guardados como lembrança do regime de terror instaurado em 1917 em Moscovo.

 

Vinte anos depois dessa noite histórica em que o Muro e a ideia comunista ruíram, a Alemanha unificada prepara-se para grandes celebrações em que participarão estadistas de todo o Ocidente (e também Gorbatchev, o antigo comunista que, ao trair o Partido, precipitou o fim do regime em que deixara de acreditar). Mas esta ocasião deve também ser aproveitada para recordar o terror do império comunista, uma pílula de cianeto que velhos revisionistas tentam ainda dourar com as cores da fantasia.

Para as novas gerações, nascidas já depois da queda da União Soviética, a memória de um regime torcionário, amordaçado pela censura e mantido a ferros pelo KGB, reduzido à materialidade "científica" de uma existência de que o espírito e o pensamento estavam banidos, que erigia a miséria colectiva como "ideal igualitário", pode surgir hoje sob o aspecto de uma "utopia" banalizada pela internet. Sob o aspecto "inofensivo" de uma curiosidade da História.

 

Importa, por isso, insistir na divulgação do que realmente foram o regime comunista e a sua malignidade de raiz. As celebrações da queda do Muro de Berlim não podem ser apenas uma festa colorida. Porque o Muro da Vergonha permanece como lição de História e de Política.

 

Câmara de Lisboa prepara lugares para os “boys”

Há noventa cargos de nomeação política nas empresas municipais de Lisboa que vão começar a ser distribuídos este mês. Só numa delas, a EPUL, os “boys” fizeram gestão danosa de 61 milhões de euros.

 

Novembro vai ser o mês de todas as nomeações para as nove empresas municipais que a Câmara de Lisboa tem a seu cargo. O Diabo sabe que os nomes para ocupar postos de presidente e administrador estão a ser negociados meticulosamente no seio do PS, que detém a maioria da Câmara e da Assembleia Municipal. Mas tudo indica que o PSD também será contemplado com um ou outro lugar menor, questão de acalmar vozes que poderiam ser incómodas. António Costa tem de começar a encaixar os novos administradores e pensar na substituição de alguns concelhos de administração de empresas problemáticas, como a Gebalis e a EPUL, dois sorvedores das finanças camarárias que, supostamente, gerem a construção de prédios, a sua reabilitação e os bairros sociais.

 

Só na EPUL, segundo uma auditoria pedida pela última administração, existe um processo que pode implicar acusação por gestão danosa e que terá lesado a empresa e o erário camarário em 61,2 milhões de euros.

 

A auditoria, feita à administração da empresa municipal e às suas contas entre 2002 e 2008, apurou que esse valor foi mal gasto e desbaratado durante os anos em que Carmona Rodrigues era presidente da Câmara. Os principais danos estarão nos contratos assinados com o Benfica e o Sporting e referem-se ao negócio de cedência e compra de terrenos para a construção de novos estádios. Só para que o Euro 2004, evento promovido pelo governo de António Guterres e liderado politicamente por José Sócrates, para que a capital tivesse estádios novos, a EPUL gastou 23,2 milhões de euros. Cada um dos grandes clubes citados recebeu 9,97 milhões por conta de presumíveis lucros futuros, resultantes da venda de 200 fogos nas urbanizações do Vale de Santo António e na Quinta José Pinto. Só que estas casas nunca foram construídas.

 

Há mais nesta auditoria: os especialistas criticam a autorização dos estudos sobre a requalificação do Parque Mayer, a renovação urbana num terreno camarário em Alcântara-Mar, a mudança da sede da EPUL para o Edifício Alvalade XXI e a construção dos ramais de acesso ao novo estádio do Benfica. Tudo fora do âmbito que justificou a criação destas empresas: construir casas a preço baixo para os habitantes de Lisboa.

 

Nos últimos quatro anos a EPUL já teve três administrações diferentes. Agora, esclarecido este processo contabilístico, deverá conhecer uma quarta. A decisão liga-se à provável reforma que Costa quer fazer à empresa e, ainda, à sua possível fusão com a Gebalis. Esta última gere os bairros lisboetas construídos pela EPUL e tem uma direcção nomeada politicamente. Santana Lopes criticou violentamente as escolhas de António Costa para a administração da empresa e propôs a sua extinção. Mas os socialistas preparam-se agora para projectar a fusão dos dois maiores sorvedouros de dinheiro da cidade, EPUL e Gebalis, tentando demonstrar eficácia gestionária ao decidir que apenas uma única administração encabeçará o que resultar da junção das duas empresas.

 

O Diabo soube que grande parte do financiamento das obras destas duas falidas empresas vem do Estado através do IHRU, Instituto de habitação e Reabilitação Urbana, cuja administração também é afecta ao PS. Nos últimos meses o IHRU tem visto os seus cofres esvaziarem-se com obras feitas em Lisboa que eram da responsabilidade da EPUL e Gebalis

 

Os “tachos” mais ambicionados

Agora, com maioria camarária de esquerda, sem terem de passar pelas negociações com o PSD, as “coisas” tornam-se mais simples. Além das duas grandes empresas de habitação, existem mais sete cujas administrações são cobiçadas: a EGEAC, que gere os eventos culturais em Lisboa, as sociedades de reabilitação urbana da Baixa e de Lisboa Ocidental, a Orquestra Metropolitana, a Lispolis – criada para acompanhar o plano tecnológico – e, por fim, a EMEL, que trata do estacionamento de na capital.

 

Entretanto, outras empresas à volta de Lisboa esperam também nomeações. É o caso do Mercado Abastecedor de Lisboa, o MARL, que aguarda há meses a nomeação de novos administradores. Alguns dos nomes a apontar para o Mercado e para as restantes empresas – e alguns já circulam entre os socialistas – são antigos administradores de outras empresas municipais, entretanto, dispensados das funções ocupadas até agora. Mas há, também, antigos assessores que acreditam ser agora chegada a sua hora…

Escândalo Freeport: Baralhar e voltar a dar

Os sete arguidos do “caso Freeport” vão ser outra vez ouvidos pelos procuradores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) que vêm conduzindo o processo judicial sobre o licenciamento do 'outlet' de Alcochete, em 2002. A nova ronda de audições tem relação directa, segundo as nossas fontes, com documentos de prova oriundos do Serious Fraud Office e da Metropolitan Police, de Londres, cuja chegada a Portugal estava iminente à hora de fecho desta edição.

Até agora, o Ministério Público apenas constituíu arguidos Charles Smith e Manuel Pedro Nunes (sócios da empresa de consultadoria contratada pelos promotores do Freeport), Carlos Guerra (então presidente do Instituto de Conservação da Natureza), Capinha Lopes (arquitecto do projecto), José Dias Inocêncio (presidente da Câmara local à data do licenciamento), José Manuel Marques (assessor da Câmara) e João Cabral (engenheiro associado à empresa de Smith e Manuel Pedro).

 

Nos últimos dias, contudo, jornalistas da TVI e do jornal 'Sol' tiveram acesso a documentos que confirmam terem sido pagos 3,2 milhões de euros em “subornos” destinados a garantir que o projecto do 'outlet' seria aprovado pelo Ministério do Ambiente, à data dirigido por José Sócrates. O secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza era então Pedro Silva Pereira, que ontem mesmo tomou posse como ministro da Presidência no novo governo socialista.

 

Em declarações ao 'Sol', “um arguido no caso Freeport” afirma que “dirigentes da empresa inglesa, bem como o consultor Charles Smith, assumiram, em conversas que manteve com eles entre 2003 e 2004, que tinham sido pagos subornos para conseguir a aprovação do projecto em Alcochete e que cerca de 750 mil euros foram para um responsável político”, não identificado.

 

As suspeitas de envolvimento, directo ou indirecto, no caso têm ensombrado a vida política do actual primeiro-ministro. Contradições e acusações cruzadas nos depoimentos dos arguidos têm, por outro lado, contribuído para manter o caso envolto numa nuvem de dúvidas.

 

Numa primeira fase da sua audição, os arguidos José Manuel Marques e João Cabral terão confirmado aos investigadores o “pagamento de luvas a políticos para o licenciamento do 'outlet' de Alcochete”, mas terão posteriormente dado o dito por não dito, “com medo de eventuais processos” - adiantava esta semana a Imprensa diária.

 

O depoimento confirmativo destes dois arguidos revela-se de vital importância para consubstanciar indícios resultantes das escutas telefónicas efectuadas pela PJ de Setúbal durante as investigações. Numa das conversas gravadas pelos agentes, segundo adiantava há duas semanas o semanário 'O Crime', uma das pessoas escutadas teria afirmado: “Vão mas é chatear o Sócrates, porque ele é que recebeu os 500 mil!”. Já em Janeiro deste ano o semanário 'Expresso' revelara que “duas pessoas ligadas à empresa Smith & Pedro” garantiam ter ouvido “várias vezes” Manuel Pedro contar que “pagou 500 mil contos (2,5 milhões de euros) ao então ministro do Ambiente”.

 

Aquela passagem das escutas policiais é um dos muitos elementos sistematizados pelo jornalista João Bénard Garcia no seu livro “Caso Freeport”, recentemente chegado às livrarias. Na obra, Bénard Garcia sublinha que o então ministro do Ambiente, José Sócrates, “continua a liderar o Governo sob o anátema da suspeita”. E adianta: “Estas dúvidas são insuportáveis para José Sócrates e podem ser-lhe politicamente fatais. Tão fatais quanto foi, no início deste ano, a divulgação da carta rogatória do Serious Fraud Office com o seu nome inscrito na lista dos corrompidos e com a divulgação de alegações comprometedoras”.

 

Exageros dos defensores de animais

De acordo com uma nova lei os circos deixarão de ter feras ou cavalos e as touradas estão mais ameaçadas. As associações de defesa dos animais aplaudem e querem mais. Quem sabe, um dia seremos proibidos de ter pássaros em gaiolas ou de passear um cão à trela.

 

A Associação Animal considera que os cães, gatos e cavalos deveriam ser proibidos de “mostrar a sua arte” em circos, por ser uma forma de exploração dos animais pelo homem. Para os defensores dos animais, a nova lei que proíbe a compra e reprodução de espécies selvagens peca por não ir mais longe: não incluiu os animais domésticos e permite a manutenção dos animais selvagens por mais uns anos nos circos.

 

Os criadores de cavalos e de cães consideram “absurda” e “despropositada” esta reivindicação. Para eles, a saga persecutória dos chamados “amigos dos animais” está a ultrapassar os limites do bom senso, podendo “descambar para a idiotice”.

 

Rui Rosado, criador de cavalos lusitano e antigo cavaleiro tauromáquico, salienta que, desde sempre, os circos utilizaram cavalos nos seus espectáculos, não existindo notícias de maus tratos desses animais. Pelo contrário, refere, na maioria dos casos os animais são tratados “principescamente”

 

A nova lei – já contestada pelos proprietários dos principais circos, nomeadamente Cardinali e Chen – poderá ainda ser utilizada pelas associações defensoras dos animais para pressionarem o poder político a por fim às touradas em Portugal, afiançam elementos ligados aos movimentos de defesa dos direitos dos animais.

 

Considerada como uma vitória para os defensores dos animais, nomeadamente para a Associação Animal, a portaria 1226/2009, de 12 de Outubro, da autoria dos Ministérios do Ambiente e da Agricultura e Pescas é considerada como uma “lança em África” que poderá permitir um recrudescer da luta contra todo o tipo de “exploração e utilização dos animais pelos humanos”, designadamente as touradas.

 

A portaria em causa divulga uma lista de espécies consideradas perigosas, pelo seu porte ou por serem venenosas, que só podem ser detidas por parques zoológicos, empresas de produção animal autorizadas e centros de recuperação de espécies apreendidas, sendo que os circos, assim como as lojas de animais não fazem parte da lista de excepções. Não poderão ser vendidas cobras de grande porte ou venenosas, algumas aranhas ou lagartos. Aos circos impõe-se ainda a proibição de compra de novas espécies ou a reprodução das que já tem.

 

O Ministério do Ambiente, que avançou com a proposta, justifica a nova lei com motivos relacionados com a conservação dessas espécies, com o bem-estar e saúde dos exemplares e também com a garantia de segurança dos cidadãos. O mesmo entendimento não tem os proprietários dos circos.

 

Miguel Chen, que reagiu com alguma ironia à notícia de que a exibição de animais nos circos terá os dias contados por causa da proibição de compra de novos animais selvagens, considera que quem fez a portaria “esqueceu-se de mandar fabricar preservativos para os tigres” e outras espécies.

 

Como aqueles animais do circo “vivem em família”, Miguel Chen entende que a reprodução não pode ser impedida e que, por isso, não sabe o que poderá acontecer com os animais que vierem a nascer no circo.

 

Chen critica a lei que “feita à pressa”, “em segredo” e divulgada após as eleições pode comprometer o futuro do circo, considerando que os animais são a principal atracção dos espectadores, principalmente das crianças.

 

No entanto, Miguel Chen ainda acredita que “alguma coisa” poderá ser revista nesta portaria, de que ele e os restantes directores de circo não tinham conhecimento prévio já que não “houve debate” sobre o assunto.

 

Hugo Cardinali, por seu turno, refere: “vivemos num país de touradas. Acho que estamos a ser discriminados porque somos o elo mais fraco. Depois, também há muita portaria que sai e não é aplicada. Vai-se a Jardim Zoológico de Lisboa ou ao Zoo Marine e vêem-se lá golfinhos e focas. Qual é a diferença entre eu ter um elefante e o Zoo Marine ter um golfinho ou uma foca? Estão todos em cativeiro... os golfinhos também deviam andar no mar. Os passarinhos também deviam andar soltos e estão em gaiolas”.

 

Para os responsáveis pelos circos, as associações de defesa dos direitos dos animais são contra tudo e todos que trabalhem com animais, é o caso das touradas e dos circos.

 

Hugo Cardinali, desmentindo algumas denúncias de maus-tratos dos animais, salienta: “os animais têm de ser tratados como animais: com dignidade, bem tratados, mas como animais”, aconselhando os defensores dos animais a preocuparem-se “com os 25 mil idosos que este país tem em lares, com as 10 mil crianças em instituições sem que ninguém as adopte e com dois milhões de pobres no nosso pais. Os animais que temos vivem melhor do que os dois milhões de pobres deste país. Têm comida a horas, são lavados e desinfectados”.

 

Um porta-voz da Associação Animal garantiu a O Diabo que esta portaria não poderá ser utilizada para combater as touradas. “Não há nenhuma ligação entre a legislação que saiu e o problema das touradas. Não queremos que se ligue uma coisa à outra, até porque são situações distintas”, refere, para de imediato acrescentar: “mas iremos continuar a lutar para que as touradas sejam proibidas em Portugal”.

 

Os ganaderos portugueses, por seu turno, consideram “pouco preocupante” esta declaração de princípios da Associação Animal. João Andrade, presidente da Associação Portuguesa de Criadores de Touros de Lide, desvaloriza as declarações que têm sido feitas pelos defensores dos direitos dos animais, realçando que “os ganaderos são os maiores amigos das reses bravas”.

 

João Grave, da ganadaria Murteira Grave, recorda o papel importante que as ganaderias têm na preservação da genética de um animal único e também “no respeito pelo equilíbrio ecológico”, nomeadamente na manutenção do montado de zinho e sobreiro.

 

 

Para João Andrade e João Grave, a legislação que saiu não vai interferir em nada com o touro bravo. Uma coisa são os anseios dos militantes anti-touradas, outra coisa é a tradição e a realidade cultural e regionalista do país, estando-se a assistir a aumento significativo dos números de espectadores de espectáculos tauromáquicos.

 

Novo Governo, novas estratégias: Casamentos gays e mais impostos para sair da crise

Para resolver o atraso do país, relançar o emprego, o consumo e dinamizar a competitividade empresarial, o novo governo de Sócrates apresenta como grandes opções a legalização dos casamentos homossexuais e a revisão de impostos, sobretudo no tabaco e bebidas alcoólicas. 

 

Um dos temas que os socialistas, parece, considerar fundamental para a resolução da crise nacional é a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. A questão vai ser introduzida no programa de governo. Francisco Louçã ficará contente, mas acredita-se que o CDS fará forte oposição, tal como a Igreja. Aliás, O Diabo sabe que a Conferência Episcopal deve pronunciar-se na próxima semana sobre este assunto.

 

O aumento dos impostos indirectos parece igualmente ter a aprovação do novo Executivo. O novo Governo socialista deve incluir no Orçamento de Estado para 2010 o aumento da carga fiscal sobre o tabaco e as bebidas alcoólicas. São impostos considerados consensuais e os únicos que têm subido por toda a Europa. A título de exemplo, o Governo socialista em Espanha também agravou este ano a taxa sobre o tabaco e o álcool. O preço dos cigarros do outro lado da fronteira está em quase paridade com as mais caras marcas de cigarros vendidas em Portugal. A medida deverá entrar em vigor apenas no princípio de 2010, assim como ligeiros aumentos no preço da energia, na água e no saneamento básico, segundo O Diabo conseguiu apurar.

 

Para além da – indispensável – autorização dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo e do aumento de impostos, o executivo pretende ainda alcançar um acordo social válido para os próximos dois anos. O maior obstáculo para o conseguir será sentar patrões e sindicatos à mesma mesa e propor um aumento de 1,5 por cento na Administração Pública, que já reivindicou uma actualização salarial superior a 4 por cento. De qualquer forma, a nova ministra do Trabalho, Maria Helena André, uma sindicalista da UGT, afecta ao PS e reconhecida participante em manifestações internacionais contra o poder político, terá que ultrapassar a desconfiança que suscita, quer no presidente da CIP, Francisco van Zeller, quer no secretário-geral da CGTP Carvalho da Silva.

 

Murteira Nabo, o amigalhaço

O governo socialista que esta semana tomou posse no Palácio da Ajuda conta com dois Antónios que, tudo indica, virão a ser influentes. Tratam-se dos novos ministros das Obras Públicas e da Agricultura. Um tem como apelido Mendonça, o outro Serrano. Foram “recomendados” a José Sócrates por Murteira Nabo, Bastonário da Ordem dos Economistas e antigo ministro de Guterres.

 

António Serrano tem 44 anos. É professor catedrático da Universidade de Évora, em gestão de empresas. Já passou pelo ministério da Agricultura como director do gabinete de planeamento de política agro-alimentar. Foi vogal da Comissão Directiva do Programa Operacional do Alentejo e era, até à sua tomada de posse, presidente do Conselho de Administração do Hospital Espírito Santo, em Évora. Positivamente, vamos acreditar que a sua breve passagem pelo ministério da Agricultura, enriquecida pela experiência do meio hospitalar, contribuam para uma melhoria da qualidade de vida dos agricultores e para a competitividade dos produtos agrícolas portugueses nos mercados internacionais.

 

 António Mendonça, tem 55 anos, é professor catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão e ex-Presidente do Conselho Directivo do ISEG. A passagem a ministro das Obras Públicas é uma surpresa para o PS. Apesar de Mendonça, como se disse, ser próximo de Murteira Nabo, o que o torna ministeriável no seio do clã socialista. Murteira Nabo, recorde-se, é o “criador” de defensores da causa social tão conhecidos como Jorge Coelho, o ex-militante da UDP que chegou a liderar a máquina política do PS, que hoje possibilita à Mota-Engil o crescimento ímpar que apresenta nos últimos anos.

 

Sobre as capacidades destes novos ministros, o “padrinho” Murteira Nabo foi categórico, em afirmações ao Jornal de Negócios: “São pessoas novas na experiência política, mas de grande qualidade!" .

 

Contestados e antigos

Quem segurou um lugar no governo do PS foi Augusto Santos Silva, recuperado à pressa por Sócrates para o lugar de ministro da Defesa. Sucede a Severiano Teixeira que, apesar da pressão do primeiro-ministro, disse estar farto de militares. Santos Silva, tal como O Diabo tinha noticiado, foi informalmente vetado pelo Presidente da República para o cargo de ministro dos Assuntos Parlamentares. Falta saber como vão reagir as Forças Armadas a este ministro que gosta de “malhar na direita”. Os Assuntos Parlamentares ficam entregues a Jorge Lacão, que terá de gerir o seu tempo entre as funções de ministro e o de deputado pelo distrito de Santarém.

 

Ainda assim Sócrates manteve um núcleo duro político, com Vieira da Silva (que transita para a Economia), Pedro Silva Pereira (Presidência), João Tiago Silveira (Sec. de Estado da Presidência) e Rui Pereira (Administração Interna). Este último, apesar de não integrar verdadeiramente este núcleo duro, é mais um dos representantes da maçonaria jacobina que se mantém entre os governantes socialistas.

 

Por fim, e também como O Diabo tinha avançado a semana passada, foi escolhida para a polémica pasta da Educação a professora e escritora Isabel Alçada.

 

O elenco governativo deve ficar completo no próximo sábado, dia em que devem tomar posse os secretários de Estado. São de esperar algumas surpresas.

Um pequeno exercício sobre a política externa portuguesa

António Marques Bessa

 

O povo que vota jamais está atento à política externa. Importa-se com as coisas pequenas que lhe tocam, mas nunca se preocupa com o que diz respeito a todos. Aqui um balázio no candidato do PSD, ali um despiste com mortos, acolá uma operação da GNR, noutro lado os costumados e lamentáveis choros dos lavradores, onde não há lavoura.

 

Mas, prestar atenção às coisas que o vão afectar no médio o longo prazo, não é com os portugueses. As decisões que são tomadas nas costas do povo, sem ele sequer notar, são muitas e graves. Portugal aderiu à Nato. O governo assim o decidiu da mesma forma que tornou o País em membro integrante do Projecto Europeu. Subsidia Cabo-Verde, Timor e outras antigas colónias sem dar satisfações. Coloca representações diplomáticas dispendiosas em sítios inacreditáveis e sem sentido, certamente só para arrumar indesejáveis no Ministério Cor de Rosa. A política prosseguida no plano externo tem-se revelado como unilateral, dependente dos USA e secundariamente dos governos, sem isenção para nenhum. Os grandes temas foram perdidos e novos temas não têm interesse real.

 

Quem na política externa?

 

Um pequeno conjunto de gente.

 

A começar pelo ministro do Negócios Estrangeiros, pelos seus secretários de Estado, conselheiros e máquina assessora. Todo este aparelho é responsável perante o seu ministro e este responde face ao primeiro-ministro. Se a política externa tivesse que responder perante o povo a coisa seria diferente. Mas esta política é muito secreta, (parece que é negócio do Estado), feita por poucos e com poucos, mas com dinheiro que circula segundo as redes definidas pelo ministro. E aí vão os impostos para as ONG amigas, para os serviços secretos de nada, para os pacóvios dos conselheiros filhos de conselheiros ou amigos, mas trata-se do palco onde se debate ainda a virtualidade do mar e a possibilidade da continentalidade centrada em Bruxelas, onde todos nos podem gozar como o último da fila dos pobres e pequenos, passado pela Eslováquia. Na realidade é uma política escondida, que agora obriga o país a enviar homens armados para o Afeganistão enfrentar os estudantes de Teologia islâmica, que nos obriga a ir para o Iraque, para os Balcãs, arriscar vidas, vidas que eram muito contestadas quando perdidas na Guiné ou em Moçambique. Nesta política externa alinhada já morreram muitos franceses, espanhóis, ingleses, suecos e outros. Ainda não perceberam que a política americana está errada e não devemos segui-la como cães de fila. Trata-se uma guerra que os soviéticos perderam e que já chegou ao Irão e à Índia.

 

Bem se vê que a adesão ao Euro encareceu toda a nossa vida e que o essencial não foi acautelados pelos negociadores da política externa. Mas quem se importa? Não eram eles os técnicos? Mas de quê? Do partido? A política externa face à EU é das piores. O País paga multas porque é atrasado, não “saca” o que pode porque é estúpido, é explorado porque gosta e cultiva o masoquismo activo, como a malta do BE.

 

Mas fica-se a saber que um número pequeno de pessoas trata da “grande política”, enquanto o povão se ocupa de futebol e, quando é chamado, é para decidir quem vai fazer “pequena política”. E assim é que está bem no país dos engenheirozinhos e dos engenhosos.

 

As Políticas Públicas

 

Temos vindo a assistir ao colapso das políticas públicas, ou seja, às grandes orientações do Governo para determinadas áreas de acção tidas como essenciais, como a justiça, a saúde, a educação o emprego, a defesa, a produção, o mar. O relatório do Observatório da Justiça é risível. Cada vez que fazem um, recomendam o contrário, que é rapidamente citado como se o Boaventura Sousa Santos, Teólogo, fosse um pequeno deus das Coisas Grandes. Não é. Fizeram-no e agora que aturem o seminarista e sua vertente jesuítica de diálogo. É mau fazer deuses de Coisas grandes, como recomendaria o autor do Deus das coisas pequenas (Arundhati Roy). Bom, depois a educação: está visto e confirmado que é uma desgraça: sabe-se cada vez menos. Qualquer dia só sabem falar com mil palavras. E contas? Só com calculadora. Estamos atrás como disse o Presidente? Atrás de quê? O esforço feito para a qualificação das pessoas foi destruído num instante por um decreto. Bom: sempre teremos mão-de-obra barata como prometeu Lino, o Grande “jamais”. Saúde? Não brinquemos: talvez seja por isso que a Inglaterra descobriu que os nossos médicos eram bons para ir para lá enquanto o ministério descobria que os cubanos eram bons para vir para aqui, sobretudo para o Alentejo. Se há algum programa de exterminação da população velha em marcha é bom que sejamos informados. É delirante mas é verdade: formam-se médicos à custa do Estado e vão para Inglaterra e uns “podões de Cuba” vêm para o Alentejo, gente que eu vi em Moçambique tentar curar a lepra manifesta nos dedos com antibióticos! Claro que os dedos pouco depois caiam. A lepra não se trata assim e isso era uma coisa que até eu sabia.

 

Otto von Bismarck que seguiu sempre a clara divisão entre Grande Política (Macht Politik) e Política Paroquial, também escreveu esta velha verdade: “As pessoas nunca mentem tanto como depois de uma caçada, durante uma guerra ou antes de uma eleição”. E na questão da política externa, como já se viu um número restrito, também se aplica a bela síntese de Simon Cameron, que afirma: “Político honesto é aquele que depois de comprado, permanece comprado”. E o melhor que se pode dizer sobre os governos desta terceira República é: os pobres aumentam.

Da verdadeira bandeira de Portugal

Gonçalo Magalhães Collaço

 

Os recentes episódios e consequente polémica do hastear da bandeira azul e branca em lugar da actual bandeira da República Portuguesa, verde e encarnada, ou vermelha, como preferirem, na Câmara de Lisboa, Câmara do Porto e algures em Cascais, veio acima de tudo evidenciar o significativo grau de nevoeiro mental em que vivemos nos correntes dias em Portugal.


Antes de mais, a bandeira azul e branca de Portugal surgiu sempre referida nos relatos apresentados pelos meios de comunicação como a bandeira da monarquia, sem que se entenda exactamente porquê.

 

De facto, como qualquer pessoa medianamente culta sabe, a bandeira de Portugal sofreu profundas modificações, alterações e mutações, ao longo dos séculos, não constituindo a bandeira azul e branca senão a bandeira usada durante o período do designado liberalismo, ou seja, desde os anos 20 do século XIX até à implantação da República em 1910, após o assassinato, importa não o esquecer, do Rei D. Carlos e do seu filho D. Luís, em acto cobarde e vil, instigado, planeado e executado pela Carbonária, em 1908.

 

Após a implantação da República, os revolucionários, marcando a divisão profunda que existia na nação, é que decidiram mudar radicalmente a bandeira nacional, alterando-lhe as cores e subvertendo-lhe o espírito, se assim é lícito expressarmo-nos, criando para isso uma Comissão em que o relator foi Abel Botelho e da qual fazia inclusive parte, entre outros, também um Columbano Bordalo Pinheiro.

 

As alterações foram tudo menos pacíficas. Alguns dos mais notáveis republicanos, figuras porém mais sábias e atentas, entre outros aspectos, ao valor simbólico das cores, opuseram-se de forma veemente, como foi o caso de Sampaio Bruno e até de um Guerra Junqueiro.

A posição de Guerra Junqueiro não deixa de ser particularmente significativa porquanto, sendo um escritor tão admirável em tão múltiplos aspectos quanto censurável em tanto outros, não deixou de ser igualmente um feroz, implacável e quase se diria mesmo mortífero inimigo de D. Carlos, não se coibindo sequer de se dirigir ao Rei nos seguintes indignos termos:

 

“A tirania do snr. D. Carlos procede de feras mais obesas: do porco. Sim, nós somos os escravos dum tirano de engorda e de vista baixa. Que o porco esmague o lodo, é natural, O que é inaudito é que o ventre d’um porco esmague uma nação, e dez arrobas de cêbo, achatem quatro milhões d’almas! Que ignominia! Basta. Viva a república, viva Portugal!!”.

 

É certo terem-lhe custado essas palavras 50 dias de multa mais custas de processo de tribunal mas, para tanta tirania denunciada, fossem hoje as mesmas palavras dirigidas a qualquer Presidente da República em exercício de funções, e mais pesadas não deixariam com certeza de o ser, bem como outras as directas e indirectas consequências sofridas.

 

Fosse como fosse, não sendo a questão política quanto aqui nos importa considerar, nem o facto, segundo rezam as crónicas, de não ter deixado de se retratar no último período da sua longa vida, dos muitos e muito injustos exageros cometidos contra a figura do Rei, para além, segundo consta também, de se ter reconciliado inclusive com a Igreja e, segundo parece, até mesmo com a Realeza, ou, pelo menos, com a ideia da Realeza, Guerra Junqueiro não deixou de se afirmar, logo em 1910, como um dos mais estrénuos defensores da bandeira azul e branca:

 

“A bandeira Nacional é a identidade d’uma raça, a alma d’um povo, traduzida em cor. O branco simboliza inocência, candura unânime, pureza virgem. No azul há céu e mar, imensidade, bondade infinita, alegria simples. O fundo da alma portuguesa, visto com os olhos, é azul e branco. D’esse fundo saudoso, de harmonia clara, de lirismo ingénuo, ressalta, estudai-o bem, o brasão magnânimo: em campo de heroísmo… vermelho ardente, sete castelos fortes, inexpugnáveis, cinco quinas sagradas e religiosas, e à volta, num abraço bucólico, duas vergônteas de louro e de oliveira. É o escudo marcial e rural dum povo cristão de lavradores, que, semeando, orando e batalhando, organizou uma pátria. A coroa, que foi do escudo o fecho harmonioso, converteu-se há mais de dois séculos numa nódoa sinistra. Rajadas d’aurora limparam-na ontem para sempre. O nobre estandarte não tem mancha. Glorifiquemos o escudo, coroemo-lo de novo com diadema épico d’estrelas: estrelas de sangue e estrelas d’oiro, estrelas que cantem e que alumiem. Substitua-se apenas o borrão infame por um círculo d’astros imortais”.

(…)

 

Na verdade, ao abandonarmos o azul e branco abandonámos o mar onde o céu se espelha, a inocência e a abertura ao espírito, para atendermos sobretudo à terra e ao sangue. Deixámos de olhar e perscrutar o horizonte e perseguirmos os sonhadores voos de sempre mais além para nos fixarmos na segurança da terra firme e na cumulatividade vazia do passado. Deixámos de ser uma nação eminentemente marítima para, pouco a pouco, nos transfigurarmos numa farsa de nação pseudo-continental. Abandonámos o Atlântico para nos fixarmos na Europa de onde nos chegava todos os dias, de Paris, a civilização, com o vapor, como diria o Eça, uma forma mais irónica de dizer o que Pessoas também constatou ao afirmar termos começado a transfigurar-nos em franceses com o liberalismo para o devirmos completamente com a República.

 

É esse ainda o nosso drama de hoje, é esse o pecado original da República, o ter sido implantada contra Portugal, sem terem sido tidas em consideração as mais fecundas e perenes tradições nacionais, como a história recente largamente o demonstra e prova.

 

Por isso se afigura legítimo advogar e propugnar pelo regresso à bandeira azul e branca de Portugal, não apenas por simples razões estéticas, o que já não seria pouco, mas, acima de tudo, simbólicas.

 

Bem sabemos como, advogar hoje o regresso à bandeira azul e branca de Portugal, dado o nevoeiro mental em que nos encontramos submergidos, se afigura nada menos que temerário, para não dizer mesmo completamente disparatado.

Todavia, identificando a bandeira azul e branca com a “monarquia”, como vulgarmente se afirma, embora, em boa verdade, quanto se pretende afirmar é “realeza” e não “monarquia”, logo se enviesa todo e qualquer possível diálogo, enviesamento esse que está longe de ser inocente.

 

Em boa verdade, como sabemos desde Aristóteles, existem três Regimes Políticos puros, Monarquia, Aristocracia e Democracia, e outros tantos Sistemas Económicos puros, se assim podemos dizer, Capitalismo, Socialismo e Liberalismo, podendo entre si combinar-se indiferentemente, ou seja, um qualquer Regime Político é sempre susceptível de assumir um qualquer dos três Sistemas Económicos.

 

Avisado, realista, tópico, não desconhecendo a situação do mundo, do movimento do mundo, do movimento de geração e corrupção a que todas as entidades do mundo se encontram sujeitas, Aristóteles bem compreendendo também como toda a Monarquia sempre tende a degradar-se em Tirania, toda a Aristocracia a degradar-se em Oligarquia e a Democracia em Demagogia, preconizou o equilíbrio pela Poliarquia, ou seja, a instauração de um regime misto, composto e conjugando em simultâneo os três regimes puros, tal como tem vindo a suceder em toda a modernidade e acontece actualmente em Portugal. Ou seja, um Regime em que o elemento monárquico é dado na figura do Presidente da República, o elemento aristocrático é assumido pelo Parlamento e o elemento democrático manifestando a vontade da maioria, i.e., do povo, se encontra representado no Acto Eleitoral.

 

Porém, a Poliarquia, quando se ignora a si mesma, quando todos os seus elementos se ignoram a si mesmos, não pode deixar senão de igualmente se degradar, como hoje todos temos vindo a assistir, conjugando na comummente designada Partidocracia, um misto de Tirania, Oligarquia e Demagogia, tal como se verifica, revela e se sobreleva no drama da nossa actual situação política.

 

No nevoeiro mental em que mergulhámos, quando se refere o regresso à Monarquia, mais não se está a referir que o regresso ou reinstauração da Realeza, mas, assustados todos pela incapacidade de pensar, confundindo Realeza com Monarquia e, por condicionamento psicológico, emocional e sentimental, identificando Monarquia com Tirania, não há quem, num esgar de horror, não repudie de imediato tal possibilidade como indigna e profundamente ultrajante, mesmo humilhante, fora sequer pensar a eventualidade de tal possibilidade ser pensada.

 

Não é quanto importa aqui discutir neste momento mas, incapazes de pensar o regime Político, incapazes de atendermos aos símbolos, de compreendermos o significado de uma bandeira e quanto na mesma e pela mesma se significa, em boa verdade, quanto isso nos revela é quanto estamos hoje incapazes de pensarmos Portugal, sendo este, na realidade, o fundo do nosso mais grave, terrível e funesto drama actual.

Rolão Preto: “Isto vai, com Deus!”

António Pina do Amaral

 

A ideia de que só a esquerda é revolucionário nasce da incultura histórica de uns e da propaganda de outros. A equação direita = conservadorismo é uma simplificação grosseira. O caso de Rolão Preto mostra-o bem. Quis uma Revolução Nacional a duas velocidades, tranquila e veloz. Não contava tal motor anímico com uma embraiagem legalista chamada António de Oliveira Salazar. Em 1934 a União Nacional proclamava a homogeneidade e a coesão. No ano seguinte Rolão Preto revoltava-se e era preso. Queremos o Rei e os Sovietes, foi um dos seus lemas. Magnífico!

 

 

Em 1916 um jovem português estudante da Universidade de Toulouse recebia a visita de uma ilustre figura bem mais velha do que ele, um dos Apóstolos da República de 1910.

 

O visitante chamava-se Sebastião Magalhães Lima, o visitado Francisco Barcelos Rolão Preto. Este nascera em 1893 – alguns dizem 1894, outros 1896 - , aquele em 1851, o primeiro era socialista, jacobino e maçon – seria desde 1907 Grão-Mestre daquela obediência – o segundo, fundador do Integralismo Lusitano e anarco-sindicalista, nacionalista sempre.

 

Num livro que publicaria em 1942 e a que chamou ‘Para Além da Guerra’ – a Segunda Guerra Mundial estava então no auge – Rolão Preto dá conta desse encontro. Lima procurara-o “para conhecer o verdadeiro sentido de inquietação da Mocidade do meu tempo”.

 

“Ao velho apóstolo assaltara-o amargo de receio de que a minha geração fosse fútil e vã, não conseguindo libertar-se, esboçada uma atitude do pecado de snobismo e superficialidade de que a acusavam”, confidencia.

 

Nesse instante o jovem estudante formava-se interiormente para a Nova Ordem, contra o individualismo burguês de um Estado de eleitores, contra o capitalismo de uma Nação de mercadores amorais.

 

Idealista inflamado, ainda estudante saíra de Portugal para se unir às forças de Paiva Couceiro que, a partir da Galiza, protagonizara um levantamento contra a República. Oficial distinto, Henrique Mitchell de Paiva Couceiro, apoiante de João Franco, liderara as incursões monárquicas contra o regime republicano e chefiara a Monarquia do Norte em 1919. O seu carácter bravio levou a que o alcunhassem como ‘O Paladino’. Estaria condenado ao exílio pelo Salazarismo.

 

Exilado na Bélgica, Rolão Preto muito jovem ainda seria o fundador em 1913 da revista ‘Alma Portuguesa’, órgão oficial do Integralismo Lusitano, de que seria secretário. Estudante em Lovaina, faria um bacharelato em Direito em França, na Universidade de Toulouse. Formara no estrangeiro o seu Patriotismo e o desdém pelo provincianismo complacente do seus concidadãos.

 

Cada vez mais activo no plano político colabora com o general Gomes da Costa, um dos chefes do 28 de Maio de 1926, sendo autor do manifesto programático distribuído em Braga que balizaria as principais ideias do Movimento.

 

Progressivamente mais radical fundaria em 1932 o jornal ‘Revolução’ e o ‘Movimento Nacional Sindicalista’. No tumulto organizacional que se desenvolveu até 1934 esteve sempre do lado activista, militante, combativo.

 

Comparativamente com movimentos congéneres na Alemanha e na Itália, o nacional-sindicalismo era, porém, de inspiração cristã. As próprias insígnias o demonstravam, a cruz de Cristo como emblema por cima das camisas azuis. A rondar o teocrático, a palavra de ordem do ‘isto vai, com Deus’, que se tornou em torno da sua milícia, o grito de guerra pelo revigoramento da Pátria, balizava as novas chegas de Ourique.

 

Revolucionário, Preto por um lado demarcava-se do intelectualismo de Sardinha e dos demais integralistas para privilegiar a acção política, por outro pela ênfase à área social e à movimentação das massas trabalhadoras, incompatibilizava-se com quantos queriam uma agitação a nível apenas da consciência das elites letradas da inteligência nacional.

 

Centrado numa zona em que a tradição cultural latina era vértice, e nisso afastado do nacional-socialismo alemão, Rolão Preto insiste em que o operariado haveria de ser subtraído à esfera de influência dos socialistas da Internacional, dos anarquistas e a partir de 1917 dos comunistas bolcheviques em favor, primeiro de um ‘sindicalismo orgânico’ e mais tarde de um ‘corporativismo integral’, sob um mando carismático. Ulteriormente, enfim, seduzido pelos avanços dos fascistas italianos, torna-se nacionalista puro, enquadrando como tal alguns dos que seriam os ‘tenentes do 28 de Maio’.

 

Seguro de que a ameaça revolucionária bolchevique estaria contida no nosso País por um pequenas burguesia conservadora, Rolão Preto constrói a militância precisamente no mesmo terreno sindical, com uma retórica análoga. Na aparência dos conceitos e na lógica do discurso é uma camaradagem socialista com a diferença de que tem os olhos postos em Deus e não na Dialéctica.

 

O triunfo atinge-o em 19 de Fevereiro de 1933 com um gigantesco banquete de mais de setecentas pessoas em pleno Parque Eduardo VII. Comício de exaltação e fé, com discursos vibrantes e palavras de ordem musculadas, o evento marca uma batalha pelo país. A própria Coimbra cinzenta e boémia, alfobre de caloiros, tricanas e veteranos, do CADC que dera ao País Salazar e Cerejeira, abre promissoramente alas em prol dos novos cruzados. O professorado radicaliza-se: Luís Cabral de Moncada, Carlos Moreira e João da Costa Leite Lumbrales, em Direito, Lopes de Almeida e Gonçalves Rodrigues em Letras, Eusébio Tamagnini em Ciências, todos se inscrevem e arregimentam. É “a preia-mar nacional-sindicalista”, escreve João Medina que o entrevistaria nos anos do fim.

 

Depressa, cada vez mais depressa, o movimento teria, porém, morte anunciada. Em 1934 Salazar marca o caminho. Organiza-se o IX Congresso da União Nacional. O lema é agregador e sobretudo esclarecedor dos caminhos que vai trilhar a Revolução Nacional, transformada agora em Estado Novo, dissuasor ostensivo de aventuras: “unidade, coesão, homogeneidade!

 

Pelas duas da madrugada do diz 12 Julho desse ano Rolão Preto, preso, é colocado com Alberto Monsaraz na fronteira espanhola. A ameaça que pairava sobre Salazar, pondo-lhe em causa a sobrevivência política, encontrava assim resposta. A PVDE de Agostinho Lourenço defendia o Chefe, localizando conspirações, em que o encontra referenciado.

 

Em 29 de Julho uma nota à imprensa convida os nacional-sindicalistas a integrarem a agremiação única. O grupo de José Cabral aderiria de bom grado. Assim falou Salazar. Sintomaticamente a Censura corta numa reportagem do jornal O Século sobre o Congresso uma menção a que, durante este, haveriam sido dados vivas a Rolão Preto. O regime começava a viver ‘tranquilamente’ depois de ter vivido ‘perigosamente’, ‘Tudo pela Nação, Nada Contra a Nação’.

 

O movimento nacional-sindicalista entra agora em clandestinidade. Um novo hino da Maria da Fonte circula, verdadeiro grito de revolta: “Viva Viva Rolão Preto/Que há-de salvar a Nação/Das garras do Usurário/E dar-lhe justiça e pão/Nesta luta tão renhida entre o Estado e a Nação/A vitória há-de ser desta/Comandada por Rolão!”.

 

Não foi. O princípio dos tempos iludira-o. Mas como ele diria mais numa carta a João Medina, escrita em 1975: “No princípio todos os deuses têm sede”.

 

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